quinta-feira, 26 de abril de 2012

CISÃO PARCIAL DA EMPRESA. CITAÇÃO DA SUCESSORA

CISÃO PARCIAL DA EMPRESA. CITAÇÃO DA SUCESSORA.

A Turma, em preliminar, aplicou os princípios da economia processual, da instrumentalidade das formas e aquele de que não há nulidade sem prejuízo, para confirmar decisão monocrática que julgou liminarmente o mérito do agravo de instrumento, com base no art. 527 do CPC, antes de intimada a parte contrária. Para o douto colegiado, não houve prejuízo para o direito de defesa da parte, haja vista ter impugnado a decisão unipessoal mediante agravo interno, devolvendo a apreciação da matéria ao tribunal a quo, com posterior manejo dos recursos processualmente admissíveis, até trazer a controvérsia à apreciação do STJ. No mérito, a Turma decidiu que a empresa cindenda pode ser citada para substituir a empresa parcialmente cindida na relação processual em que a vítima de acidente automobilístico pleiteia indenização por danos morais, apesar da estabilização da demanda. Para a Min. Relatora, se há sucessão das empresas, consoante dispõe a legislação societária, a sucessora não pode ser considerada, no processo, como um terceiro a quem não se estende a sentença judicial, desde que o juiz considere, analisando a situação concreta, que as obrigações em litígio estão abrangidas pelo regime de sucessão disposto na lei das sociedades anônimas. A análise da responsabilidade da sucessora pelos atos praticados pela companhia cindida é matéria que se confunde com o mérito da ação, momento em que o protocolo da operação será analisado, os bens sucedidos serão individualizados e a responsabilidade pelo acidente, definida. REsp 1.294.960-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado dia 17/4/2012.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Serviço de registros nas juntas comerciais

Serviço de registros nas juntas comerciais

Armando Luiz Rovai

 
 

Como estabelece a lei, o registro público de empresas mercantis é executado em todo o Brasil por meio das Juntas Comerciais. Cada Estado da federação possui a sua junta, cuja finalidade é de dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas (individuais e coletivas), cadastrando e atualizando suas informações.

Ocorre, contudo, que modernamente, as juntas comerciais se prestam também como órgãos destinados a auxiliar os empreendedores, economistas, contabilistas e advogados - ou deveriam se prestar -, como banco de dados para o auxílio à atração de investimentos, gerando maior segurança e efetividade às atividades negociais. De todo modo, na realidade atual, infelizmente, não é o que vislumbramos.

No que concerne especificamente ao arquivamento dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de empresas individuais, cooperativas, sociedades empresárias, atos relativos a consórcio e grupo de sociedade de que trata a lei 6.404/76, as juntas comerciais inadvertidamente olvidam de suas atribuições originárias e delimitadas pela legislação, examinando muito além das formalidades legais. Neste cenário, cria-se indevidamente uma gigantesca burocracia às empresas, sobrecarregando o já penoso custo Brasil.

Em outras palavras, o que se pretende aqui dizer, é que as juntas comerciais, equivocadamente e extrapolando suas funções, entram no mérito das discussões societárias, o que deveria caber - do ponto de vista principiológico e dogmático - exclusivamente ao Poder Judiciário. É importante salientar que não se trata de um fato isolado ou pontual, de uma ou outra junta, considerando que em todo o Brasil a reclamação dos advogados, contabilistas e empresários é a mesma: as juntas comerciais ultrapassam suas atribuições legais quanto à análise formal das prescrições definidas por lei.

As juntas comerciais, equivocadamente, entram no mérito das discussões societárias

Ademais, fato relevante e extremamente comprometedor aos negócios sociais é que não há uniformidade no registro societário, com decisões conflitantes e antagônicas, muitas vezes em expedientes societários idênticos; reitere-se, em todo o Brasil. Não são poucas as vezes que um instrumento societário apto para registro numa determinada junta, não está em condições de registro em outra. Convive-se, assim, com um nefasto fator lotérico registrário, ou seja, exara-se exigências em documentos aptos para o arquivamento e defere-se, indevidamente, o registro societário de empresas que não poderiam ser registradas.

Mas não é só, também nas disputas societárias, travadas no campo administrativo - no interior das juntas comerciais -, constata-se que cada junta tem um entendimento, num total e evidente descaso à segurança jurídica.

O que se tem constatado é que falta melhor orientação às juntas comerciais, principalmente no que concerne à observância de suas normas legais e regulamentares. Tal situação, compromete a fiscalização jurídica contra abusos e infrações, impossibilitando, via de consequência, uma melhoria dos serviços pertinentes ao registro público de empresas, o que seria oportuno para desenvolver as atividades negociais.

Neste sentido, é sabido que para a atração de investimentos e crescimento econômico, boas práticas no registro societário podem ser um importante motivador do sistema empresarial. Há que se ponderar que todas as operações societárias, das mais complexas às menos relevantes, grosso modo, terão sua eficácia somente a partir do registro do instrumento societário. É conveniente, pois, que haja um critério avaliativo uniforme das normas e formas instrumentais, a fim de garantir segurança jurídica ao ato negocial.

Cumpre consignar que ao Departamento Nacional do Registro do Comércio (DNRC) cabe a supervisão e coordenação dos órgãos incumbidos da execução dos serviços de registro público, bem como a consolidação de suas normas e diretrizes para solucionar dúvidas ocorrentes na interpretação das leis. Contudo, por tratar-se de questões dogmáticas, consolidadas nos últimos anos por legislações contraditórias e incertas - como o Código Civil, no seu Livro II, que versa sobre o direito de empresa -, o próprio DNRC fica de mãos atadas para a instalação de procedimentos adequados às necessidades societárias.

Nessa seara enquadra-se a necessidade premente de implementação de um novo regramento para impedir o excesso de burocracia e liturgia das juntas comerciais, incumbindo-as, apenas e taxativamente, da análise formal dos atos societários levados para registro, de acordo com os bons costumes empresariais e a ordem pública.

Isto posto, diante do debate e da repercussão sobre um novo Código Comercial para o Brasil, parece-me relevante a atenção do legislador para o registro de empresas, especialmente, nas questões aqui singelamente apontadas, de modo a buscar um aprimoramento institucional do direito brasileiro e a desejada segurança jurídica aos atos negociais. Oxalá, melhores dias com melhores leis.

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* Armando Luiz Rovai é professor de direito comercial do Mackenzie e da PUC-SP e ex-presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo

terça-feira, 17 de abril de 2012

Crítica à concepção do projeto do novo Código Comercial sobre o direito societário (ii)

Crítica à concepção do projeto do novo Código Comercial sobre o direito societário (ii)

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa

Em prosseguimento ao comentário anterior, cumpre analisar inicialmente questões relacionadas com a personalidade jurídica das sociedades empresárias (desnecessariamente regidas como normas distintas das pessoas jurídicas em geral, presentes no Código Civil), artigos 125 e seguintes do projeto.

Ao estabelecer no art. 125 que a sociedade empresária adquire personalidade jurídica com o arquivamento do seu ato constitutivo no Registro Público de Empresas, o art. 125 cria uma desnecessária dicotomia nos planos do Direito Civil e do Direito Comercial, em relação ao nascimento da pessoa jurídica e, mais ainda, de forma imperfeita, deixando de lado o critério da existência legal, que vem desde o art. 16 do código civil anterior, mantido pelo art. 45 do atual.

Em primeiro lugar, a dicotomia de que se tratou acima cobre no projeto todo o tema do direito societário, como se neste campo as sociedades civis se distinguissem das mercantis, o que não é verdade. Como se sabe, a única sociedade que tem sempre a natureza mercantil é a companhia. As demais penetram neste campo segundo o seu objeto, na forma dos artigos 966 e 982 do Código Civil. Uma limitada empresária e uma limitada civil têm a mesma estrutura. Elas se diferenciam, por exemplo, pelo fato de que somente as primeiras podem ter sua falência decretada e requererem o benefício da recuperação empresarial. Na estrutura são iguais. Por isto a dicotomia pretendida no projeto revela-se absurda.

Além disso, ela é perversa uma vez que, em muitos casos, nas lacunas do novo código comercial, uma vez promulgado (que isto jamais aconteça!) o Código Civil será tomado como fonte subsidiária, já que ele seria uma lei geral em relação ao primeiro, o qual, além do mais, tem a natureza de código geral do direito privado. Daí resulta que as questões de aplicação e interpretação das normas correspondentes faria a felicidade das editoras jurídicas, pois centenas de textos seriam escritos a respeito do assunto, ao lado da mesma quantidade de decisões judiciais conflitantes.

Em segundo lugar, como se sabe, existência legal é um conceito mais amplo do que o de pessoa jurídica, pois esta pode inexistir, mas aquela sim.

O art. 126 dispõe que termina a personalidade jurídica da sociedade empresária com a partilha, depois de regularmente dissolvida e liquidada. Ora, se a sociedade desapareceu por algum motivo, tendo sido seus bens partilhados, evidentemente ela não poderia mais manter personalidade jurídica, o que é óbvio. Nem sequer sobram vestígios de sua existência, como seria o caso de pessoa natural que, morta e não cremado o seu corpo, nem espalhadas as suas cinzas, os seus restos mortais estarão em algum lugar e poderão ser visitados e homenageados. Alguém me diga hoje onde se encontra a antiga Panair, que foi durante muitos anos a estrela brasileira nos céus daqui e de alhures, brasileiros, cruzando-o com os seus aviões.

A má técnica legislativa continua no art. 127, incluindo entre os casos de término da personalidade jurídica da sociedade empresária a sua incorporação em outra, fusão ou cisão total. O autor esqueceu-se de incluir o encerramento da falência das empresas mercantis em geral e da liquidação extrajudicial de instituições financeiras e seguradoras.

Os artigos 128 a 131 propõem um tratamento específico da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária, paralelamente à norma já existente no Código Civil, sem maior proveito, além do de criar confusão.

Para dar base à desconsideração da personalidade jurídica, o texto do art. 128 refere-se à fraude perpetrada por meio da autonomia patrimonial, o que é tecnicamente inadequado. Como se sabe, a autonomia patrimonial é um dos efeitos da personalidade jurídica, mas não é por meio dela que se faz mau uso da sociedade. Isto ocorre quando os administradores praticam atos contrários ao seu objeto social e/ou relativos à confusão dos seus patrimônios pessoais com o da sociedade, com o fim de apropriar-se indevidamente de algum benefício e ao mesmo tempo fugir das responsabilidades jurídicas correspondentes.

Há um erro muito grave no texto proposto quando se refere ao fato de que o juiz poderá ignorar a personalidade jurídica para imputar responsabilidade ao administrador. O projeto confunde a nuvem por Juno, já se dizia em relação à mitologia antiga, bem a propósito, porque ele cria figuras verdadeiramente mitológicas em inúmeros dos seus dispositivos, dos quais esta é apenas um exemplo.

Em me lembro das velhas lições do grande jurista paranaense, Rubens Requião, um dos responsáveis pela penetração dessa doutrina no direito brasileiro, lá pelo final da década de 60 do século passado quando comecei a estudar Direito Comercial. Uma das expressões relacionadas a essa técnica, utilizada pelos juízes da common Law consistia em levantar o véu da personalidade (lifting the corporate veil), para atrás dele encontrar os sócios. Assim sendo, não é a personalidade jurídica quem se antepara aos administradores, pois não são sócios. Eles fazem parte do órgão administrativo das sociedades. Os diretores com a competência da apresentação externa e os conselheiros de administração no âmbito interno. Fazendo uma comparação não muito perfeita, quando se tira a polpa de uma ameixa (personalidade jurídica), aparece o caroço (sócio). Para achar os administradores (a amêndoa) que compõem um dos órgãos societários essenciais, tem-se que quebrar o caroço. E não é esta a ideia do instituto em consideração.

Reconhece-se que nem todo o demérito desta confusão entre sócios e administradores pode ser atribuído ao projeto, uma vez que ela vem desde a promulgação do Código Civil de 2002, sem qualquer base doutrinária.

O projeto cria um duplo problema para a eficácia da sua proposta. Primeiro deve o credor provar que houve confusão patrimonial ou desvio do objeto social, do que decorrerá uma presunção relativa de fraude. Em seguida os sócios e/ou administradores procurarão derrubar essa presunção. Considerando-se as questões processuais envolvidas, o uso da penhora on line e a demora do Judiciário, já se vê o caos que a proposta poderá causar.

O art. 129 explica o que não seria necessário. Isto porque se refere ao fato de que a insuficiência de bens no patrimônio da sociedade para a satisfação do direito do credor não autoriza a desconsideração de sua personalidade jurídica. Em primeiro lugar, o que é a insuficiência de bens? Em relação a que critério, o crédito exigido individualmente ou por um grupo de credores? Segundo, verifica-se que a insuficiência de bens não foi erigida pelo próprio projeto como base estabelecida para a utilização desse instituto. Terceiro, todo mundo sabe (ou devia saber), que a atividade mercantil é de risco, do que decorre que a empresa pode andar muito bem ou muito mal, como o resultado de circunstâncias diversas, as quais nada têm a ver com o mau uso da personalidade jurídica. Quarto, num dado momento, as contas da empresa podem se encontrar negativas, mas é possível que ele tenha créditos a receber em breves dias, do que resultará que fechará o mês em situação líquida.

O que se verifica é que, além de brigar com o Direito Comercial, o projeto não se entende sequer internamente.

O art. 130 chove no molhado¸ ao dizer inutilmente que a imputação de responsabilidade ao sócio ou ao administrador depende de que o juiz assegure o direito de ampla defesa e ao contraditório daqueles. Ora, se isto não já é princípio consagrado na Constituição Federal, então eu não sei mais nada. Esta garantia é própria do Estado democrático de direito.

O art. 131 revela-se imbuído de um particularismo desnecessário (e tudo neste tema é irrelevante) ao cuidar de aspectos meramente processuais.

Em seguida o projeto se volta nos artigos 132 a 137 para a sociedade irregular, procurando retornar ao sistema do antigo Código Comercial, embora de forma imperfeita e criando uma dicotomia em relação ao Código Civil uma vez que este cuida da sociedade em comum. Além de quebrar a integridade do sistema, o tratamento desse instituto revela mais alguns problemas (ufa!).

O maior deles está no art. 137, que estabelece a sociedade limitada como paradigma para a sociedade irregular, nas omissões das disposições que a regem. Mais uma contradição. É juridicamente impossível recorrer a essa fonte subsidiária, que regularia interna e externamente as suas relações jurídicas, na medida em que não existindo contrato escrito ou se ele existe, mas não se encontra arquivado no Registro de Comércio, não vale entre os sócios. Do lado dos terceiros credores, estes podem provar a sociedade por qualquer meio permitido em direito e fazer recair sua pretensão sobre o patrimônio social e/ou o de todos os sócios, solidariamente.

Como se tem verificado com exaustão, falhas de técnica legislativa e inconsistências do projeto surgem a cada momento em que se percorre a enxurrada dos seus dispositivos.

Em seguida o projeto se intromete em seara alheia quando, ao cuidar dos atos societários, procura regulá-los quando realizados em suporte eletrônico. Trata-se de matéria sujeita a lei especial, que deve lá ficar sossegada. Cada galho no seu macaco, diria o sempre filósofo Vicente Matheus.

Boa confusão surge também em relação ao tratamento dado à nacionalidade da sociedade empresária, em mais um dos casos de dicotomia de tratamento legislativo com as empresas civis (arts. 142 a 144), notando-se algumas obviedades que deixariam envergonhado o conhecido Conselheiro Acácio.

Um primor de norma no projeto é a correspondente ao art. 143, em alguns dos seus parágrafos:

(i) É exigida como condição para que a sociedade estrangeira possa se tornar sócia de sociedade brasileira se vier a nomear e qualificar, na forma da lei nacional (?) os seus sócios diretos ou indiretos, estes até o nível da pessoa física;

(ii) A mesma exigência é determinada aos quotistas de fundos de investimento, no que o projeto se esquece do fato de que as cotas são negociadas livremente e que o corpo de cotistas, consequentemente, está em permanente mutação;

(iii) A piada de mau gosto vai ainda mais além quando exige a qualificação dos controladores das sociedades estrangeiras cujas ações ou quotas (?) sejam ao portador. Ora, se são ao portador e, portanto, a sociedade desconhece os seus titulares, trata-se aqui de uma missão impossível, que nem mesmo Holywood nos seus maiores delírios poderia realizar;

(iv) Finalmente, determina o projeto que a qualificação dos acionistas de companhias estrangeiras listadas em bolsas de valores se estenda ao controlador e este até o nível da pessoa física. Durma-se com um barulho destes! Achar que, depois de um exercício de derrubar muralhas, sempre no final da linha de controle está uma pessoa física é um estapafúrdio sem precedentes. Além do que, neste mundo que conseguiu andar mais rápido do que a luz, a mudança de controle das companhas é tão frequente que se criaria uma burocracia cara e completamente despida de sentido para atender a esta exigência. O controle da nacionalidade brasileira de empresas já é regido por lei especial, bastando que o assunto fique no campo de uma alçada.

Como sói acontecer, os defeitos do projeto se avolumam a cada vez que se toma uma de suas partes para análise, restando sempre a mesma conclusão, ele somente serve para o cesto arquivo, pois nem os Agentes Mulder e Scully, do Arquivo X, conseguiriam dar um jeito nesta trama barata.

Vem mais por aí, com calma pois, como se sabe, o tratamento homeopático, feito por meio de doses mínimas, cria resistência no doente. No caso, o projeto é um remédio ruim e nós os doentes.

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Leia mais: Crítica à concepção do projeto do novo Código Comercial sobre o Direito societário (i)

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* Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é professor de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP e consultor do escritório Mattos Muriel Kestener Advogados

terça-feira, 10 de abril de 2012

EIRELI - Projeto Câmara

 
Projeto de Lei nº 18, de 2011 (nº 4.605/09 na Câmara dos Deputados),

Manual DNRC sobre EIRELI

Manual DNRC sobre EIRELI

SITE EIRELI

SITE EIRELI

Só pessoa física pode constituir uma Eireli

Só pessoa física pode constituir uma Eireli

Por Jacques Malka Y Negri

Está em vigor desde janeiro a Lei nº 12.441, de 2011, que permite a criação da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli) - cujo patrimônio não se confunde com o próprio negócio. Ponto de destaque é o fim da ficção. Até então, pelo menos dois sócios eram obrigatórios. Na Eireli basta apenas uma pessoa, preservada a limitação da responsabilidade.

Entendemos que pessoa jurídica não pode constituir uma Eireli. Embora a lei não seja expressa ao cuidar das limitações, deixa a brecha para perceber que se trata de norma voltada para pessoas físicas. Pesquisando a tramitação do processo legislativo, se observa que a redação inicial era outra: somente pessoa natural poderia criar uma Eireli.

Posteriormente, algumas alterações foram introduzidas. No intuito de substituir determinada palavra, houve a supressão de um entendimento. Antes, o texto dizia que "a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por um único sócio, pessoa natural". A partir da alteração, passou a afirmar que "a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa". Nessa linha, alguns juristas entendem que o termo "pessoa" vale para físicas e jurídicas.

Em tese, estão certos. Mas analisado o processo legislativo, fica claro que houve lapso por parte do relator do projeto substituto, deputado Marcelo Itagiba, e não supressão deliberada da expressão "natural", caso em que o parlamentar teria justificado a alteração e a sua intenção. É certo, contudo, que os tribunais serão chamados a se pronunciar. Até lá, fica valendo a IN/DNRC nº 117, de 2011, que aprovou o Manual de Atos de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, consignando que somente pessoas físicas podem constituir uma Eireli.

Alguns juristas entendem que medida vale para pessoas físicas e jurídicas

Outros caminhos existem para se aquilatar o alcance único da Eireli às pessoas físicas. Um deles é o direito comparado. Em Portugal, por exemplo, o Decreto-Lei nº 248, de 1986, traz no artigo 1º a resposta, indicando que lá somente a pessoa singular (física) que exerça ou pretenda exercer uma atividade comercial pode constituir "estabelecimento individual de responsabilidade limitada".

É importante, também, se valer do estudo da finalidade da norma, posto que de acordo com a Lei de Introdução ao Código Civil, "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum" (artigo 5º). Nesse contexto, a pretensão do legislador era suprir uma lacuna que vinha causando problemas apenas para as pessoas físicas.

Ainda em socorro ao nosso entendimento, vale conferir o parágrafo segundo do artigo 980-A do Código Civil: "A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar numa única empresa dessa modalidade." Valesse a EIRELI para pessoa jurídica, o legislador estaria, aqui, tratando com desigualdade as pessoas, restringindo direitos apenas das físicas.

Embora já se fale sobre o tema desde a década de 80, na casa legislativa o projeto circulou por dois anos. A ideia da EIRELI, no entanto, não surgiu no Brasil. Diversos países do continente europeu adotam o modelo. São pelo menos 20 anos de experiência bem-sucedida. Na EIRELI, o capital social deve ser de pelo menos cem vezes o salário mínimo. E a pessoa física que a constituir somente pode figurar em uma única empresa dessa modalidade.

Diferente da firma individual - em que não há a separação entre os patrimônios -, na Eireli há limitação de responsabilidade e o capital social é o próprio limitador. Inclusive, o valor do capital social servirá para dar mais garantias a terceiros. Necessário lembrar que o artigo 50 do Código Civil não foi alterado. Em caso de abuso da personalidade jurídica, o titular da Eireli poderá ser chamado a responder com seus bens pessoais. Isso vale também para a Justiça do Trabalho.

A Eireli poderá ser administrada pelo titular e/ou por não titular, desde que pessoa física. Se estrangeiro, o administrador deverá ter visto permanente e sem impedimento para o exercício da administração. Um empresário individual, poderá se transformar em Eireli e vice-versa. Da mesma maneira, uma sociedade limitada poderá se transformar em Eireli acabando assim com o "faz-de-conta" que, não raro, gera muita dor de cabeça. O amigo ou parente que apenas "emprestou" o nome tem agora uma saída. Uma sociedade limitada que seja composta por apenas dois sócios e um deles venha a falecer, também poderá prosseguir, sem necessariamente recompor o quadro de sócios em 180 dias, cabendo ao remanescente transformá-la em Eireli. A sucessão na Eireli se dá por alvará judicial ou na partilha, por sentença judicial ou escritura pública. Contudo, poderão os sucessores optar pela extinção da empresa.

Levando-se em conta que historicamente as firmas individuais e as sociedades limitadas representam mais de 90% das empresas anualmente constituídas no Brasil, acredita-se que boa parte desse número será, a partir de agora, dividido em três segmentos (empresário individual, sociedade limitada e Eireli). Por fim, mas não menos importante, é necessário anotar, com relação ao tratamento tributário - especificamente o Simples Nacional -, que a Receita Federal já enquadrou a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada ao lado das sociedades empresária e simples.

Jacques Malka Y Negri é sócio em Malka Y Negri Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

 
Fonte: Valor Econômico

terça-feira, 3 de abril de 2012

EIRELI

A constituição de EIRELI - Empresa Individual de Responsabilidade Limitada por pessoa jurídica como permissivo legal inarredável

Thaís Prates de Macedo Cruz

Recentemente foi noticiada na mídia especializada liminar concedida pela Justiça carioca (9ª Vara da Fazendo Pública) que permitiu à pessoa jurídica a constituição de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI.

Salutar, oportuna e legítima a decisão proferida.

Oriunda dos projetos de lei 4.605/2008 e 4.953/2009 de autoria dos deputados Marcos Pontes e Eduardo Sciarra respectivamente, a novel redação da lei 12.441/2011 que alterou o Código Civil acrescentando-lhe os arts. 980-A e ss. provoca debate jurídico desde o início de sua vigência. Isto porque pessoas jurídicas foram impedidas de constituir EIRELI por determinação do Departamento Nacional de Registro e Comércio – DNRC, órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio Exterior que, por meio da Secretaria de Comércio e Serviços, determinou a observância pelas Juntas Comerciais da sua Instrução Normativa n. 117 de 22 de novembro de 2011, que aprova o Manual de Atos de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, impedindo em seu item 1.2.11, a constituição da titularidade da EIRELI por pessoa jurídica. 1

Contudo, estudo criterioso e teleológico demonstra não haver óbice legal e legítimo que impeça a constituição de Empresa Individual de Responsabilidade LTDA. por pessoa jurídica.

Em que pese ausência de clareza específica dos artigos recentemente introduzidos no Código Civil, no sentido de possibilitar à pessoa jurídica constituir EIRELI ou aplicar o dispositivo exclusivamente à pessoa física, esta circunstância por si só não tem o condão de impedir a sua constituição por pessoa jurídica, o que se afirma com supedâneo nos princípios de hermenêutica e até mesmo no princípio constitucional da legalidade de direito privado (inciso II, art. 5º da CF).

Estes princípios não permitem atribuir exceções quando a lei não as cria, como bem acentuado em diversos artigos recentemente publicados sobre tema e na decisão liminar proferida pela Justiça carioca veiculada na rede mundial de computadores.

Aproximadamente 3 (três) anos antes da publicação da lei 12.441/2001, foi apresentado PL 4.605/2008 pelo deputado Marcos Montes para acrescentar a letra A ao artigo 985 do Código Civil e instituir a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada.

Como justificação do projeto de lei, mencionou-se estudo realizado de autoria Prof. Guilherme Duque Estrada de Moraes, publicado em 30 de junho de 2003 na Gazeta Mercantil (pg. 1 do Caderno Legal e Jurisprudência). O mesmo destaca entre outras coisas que, sem êxito, se cogitou na década de 80 a instituição desta figura jurídica no estatuto das microempresas.

Informa também que na década de 90, na apresentação do anteprojeto no âmbito do Programa Federal de Desregulamentação com apoio e colaboração do DNRC, pretendia-se permitir que o empresário, individualmente, pudesse explorar a atividade econômica sem que seus bens pessoais respondessem por eventuais dívidas da empresa.

Lembra o autor a inserção deste instituto jurídico no direito alienígena, no Conselho da Comunidade Europeia e traz diversos argumentos favoráveis à empresa individual de responsabilidade limitada. Cita exemplos como a desburocratização, onerosidade, extinção da relação societária fictícia pela desnecessidade de inclusão de sócios "laranjas", formalização de empreendedores, arrecadação de impostos e organização de um grande seguimento dos negócios, como são as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, maiores responsáveis pela geração de empregos no Brasil.

Assim, com base no estudo referido, a redação inicial proposta no PL 4.605/2008 pelo dep. Marcos Pontes previa que a EIRELI fosse constituída por um único sócio, pessoa natural. 2

Posteriormente, foi apresentado o PL n. 4953/2009 de autoria do Deputado Eduardo Sciarra (DEM/PR), o qual restou apensado ao precedente PL n. 4605/2008 para apreciação conjunta por tratar basicamente do mesmo instituto jurídico, embora sob a denominação de Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada.

A justificação do Deputado Eduardo Sciarra na proposição do PL 4.953/2009 que não discrepa do anterior e também faz referência à legislação estrangeira, ressaltou ser o instituto uma realidade em diversos países que impulsiona suas economias. 3

É de se observar que a redação proposta pelo PL 4.953/2009 visando a inserção de diversas letras ao art. 980 do Código Civil, também limitava a constituição de Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada à pessoa física, na redação proposta pelo Dep. Eduardo Sciarra ao caput do art. 980-A do CC.4

Em seguida, foram ambos submetidos à apreciação das Comissões pertinentes na Câmara dos Deputados, inicialmente, na Comissão do Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio – CDEIC e finalmente na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania- CCJC que propôs a redação final.

Na CDEIC os PLs foram analisados pelo Deputado Guilherme Campos (DEM-SP) que em seu parecer opinou pela aprovação dos mesmos, alterando-lhes apenas a sigla (EIRELI em detrimento de EIRL) e adequando como entidade responsável pela arrecadação federal, a Receita Federal do Brasil.

Após, foram os desportistas incluídos aos destinatários do parágrafo 5º como sugerido pela emenda apresentada pelo Deputado André Zacharow e finalmente aprovada por unanimidade na Comissão do Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio – CDEIC a redação final com a restrição da aplicação do instituto à pessoa física.5

Não se pode olvidar que até o instante em que os projetos foram analisados pela CDEIC, o texto original limitativo foi concebido sem suscitar nenhum debate jurídico sobre a possibilidade de aplicação da EIRELI extensiva às pessoas jurídicas, ainda que os fundamentos dos estudos que sustentaram as proposições legislativas, bem como a legislação estrangeira citada, fossem ampliativos.

Entretanto, de forma salutar o relator do projeto de lei 4.605/2008 da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania- CCJC, Deputado Marcelo Itagiba, após análise detida e acurada das proposições, suas redações originais, relatórios e justificações, consignou em seu parecer apresentado à CCJC, a conclusão dos estudos sobre a EIRELI que deram suporte ao PL n. 4605/2008.

Na oportunidade ressaltou diversos benefícios do instituto, como a possibilidade de "transformação da pessoa jurídica em uma empresa individual de responsabilidade limitada" no caso de morte do sócio ou de sua retirada da sociedade limitada e a extinção da figura do sócio "laranja" ou "fictício", inserido no contexto da empresa por formalidade imposta pelo mandamento legal pertinente às sociedades limitadas.6

O resultado da apreciação do Dep. Marcelo Itagiba do PSDB/RJ, Relator do PL 4.605/2008 na Comissão de Constituição e de Justiça e Cidadania - CCJC foi o aperfeiçoamento, com algumas adequações, da redação final aprovada pela CDEIC substituindo a apresentada pela CCJC em 04/08/2010 e afastando qualquer discriminação quanto à pessoa destinatária do instituto, pois extirpou do texto legal proposto o emprego da palavra natural seguida da pessoa, ampliando desta forma o alcance da EIRELI às pessoas jurídicas.

"Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País. (...)" 7

Desta forma, em virtude do parecer do dep. Marcelo Itagiba apresentado à CCJC foi EXCLUÍDO do caput do art. 980-A a restrição contida nos textos primitivos de que a EIRELI só poderia ser constituída por pessoa física ou natural, até porque consignou em seus motivos, reitere-se, a possibilidade de "transformação da pessoa jurídica em uma empresa individual de responsabilidade limitada".

Estabeleceu critério ampliativo em relação aos destinatários da lei com a exclusão no texto da restrição à pessoa física, viabilizando a constituição da EIRELI por uma única pessoa, titular da totalidade do capital social, compreendendo-se, pois, pessoa jurídica e natural sem qualquer distinção, em oposição às redações apresentadas nos trâmites legislativos anteriores.

Frise-se que esta redação substituiu todas as anteriores apresentadas, inclusive a aprovada pela CDEIC em 04/08/2009 e, de forma unânime, foi acolhida pela Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania em 09/12/2010.

Após acolhimento unânime na CCJC, o PL 4.605/2008 foi encaminhado ao Senado Federal para apreciação da Casa que após aprová-lo na íntegra, encaminhou ao Poder Executivo de onde retornou com um veto presidencial parcial.

O veto presidencial subtraiu o parágrafo 4º, por entender desnecessário e passível de gerar controvérsias na aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica prevista no art. 50 CC que também norteia as Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada (parágrafo 6º, art. 980-A, CC).

Basta uma análise do processo legislativo que ensejou a o surgimento da lei 12.441/2011 8 para assegurar que o intento do legislador foi contemplar também as pessoas jurídicas como titulares de EIRELI, interpretação única a ser conferida ao caput do art. 980-A do Código Civil em vigor.

Importante recordar que neste mesmo diapasão, já houve tentativa em 2003 no infrutífero projeto de lei 2.730/2003 do dep. Almir Moura, de inclusão da sociedade unipessoal no ordenamento jurídico pátrio que pensou na sua constituição por pessoa singular ou coletiva9.

Portanto, muito antes da apreciação aprofundada do tema pela Comissão de Constituição e Justiça, já se cogitou a inserção da sociedade de responsabilidade limitada constituída por um único sócio, pessoa física ou jurídica, tal como ocorre em diversos diplomas alienígenas.

É possível constatar no direito comparado que a EIRELI, com suas denominações variadas que remetem ao instituto em apreço, pode ser constituída em alguns países somente por pessoas físicas e em outros, por pessoas físicas ou jurídicas.

No Peru, por exemplo, só as pessoas naturais podem constituir uma EIRELI e diferentemente no que prevê a legislação pátria, cada pessoa pode constituir uma ou mais EIRELI (art.s 4º e 5º da Lei 21621, Ley de la Empresa Individual de Responsabilidad Limitada).10

Não é diferente a legislação portuguesa que restringe a constituição de EIRELI à pessoa singular, no DL 248/86. 11

Entretanto, outras nações admitem a pessoa jurídica como única titular da empresa individual de responsabilidade limitada, legislações citadas inclusive como fonte pelos autores dos projetos da lei 12.441/2011.

A Décima Segunda Diretiva do Conselho da Comunidade Européia - CEE, objetivando harmonizar o instituto jurídico nos países que o adotam, estabeleceu em 1989 (89/667/CEE) no art. 2º, que a sociedade pode ter um sócio único no momento de sua constituição, bem como por força da reunião de todas as partes sociais numa única pessoa (sociedade unipessoal).12

O artigo 2º desta diretiva, assim como o art. 980-A do CC, não traz qualquer restrição no tocante à pessoa titular da sociedade de responsabilidade limitada com um único sócio, denominação utilizada pela Comunidade Europeia equivalente à EIRELI pátria.

"(...) Artigo 2º

1. A sociedade pode ter um sócio único no momento da sua constituição, bem como por força da reunião de todas as partes sociais numa única pessoa (sociedade unipessoal). (...)"

Outros estudos realizados no Direito Comparado13 citam como pioneiro na adoção do instituto jurídico em apreço, o estado de Delaware, nos Estados Unidos da América, que por meio de General Corporation Law (Delaware Code, Title 8, Chapter 1, § 101) permitiu à pessoa física, associação ou outra pessoa jurídica constituir um novo ente, "singly or jointly with others", com o propósito de "conduct or promote any lawful bussiners or purposes".

Muito embora não haja qualquer nota distintiva na diretiva da Comunidade Europeia, fonte utilizada como suporte da redação original proposta pelos deputados federais, primitivamente e sem qualquer debate sobre o tema, a previsão do projeto no país era limitar a constituição de EIRELI à pessoa natural, à pessoa física, em dissonância ao direito comparado que também lhe serviu de amparo.

Contudo, felizmente esse aspecto não perpetuou e a adequação da redação final pela CCJC, mais harmônica, ampla e salutar, após aprovação do Senado e sanção do Poder Executivo, alterou o Código Civil introduzindo-lhe o art. 980 A e ss. que não impôs limitação alguma relacionada às pessoas que podem constituir EIRELI.

Como visto, a extensão subjetiva da aplicação da empresa individual de responsabilidade limitada alterna-se conforme as necessidades das nações que preveem o instituto, não havendo como no sistema pátrio afastar-se dos anseios do legislador publicamente exposto no processo legislativo conforme esmiuçado, dos princípios constitucionais e da hermenêutica jurídica.

Não bastassem os enfoques supra delineados, não é menos certo afirmar que não compete ao Departamento Nacional de Registro e Comércio – DNRC, órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio Exterior interpretar, por meio de Instrução Normativa (IN n. 117/2011) atribuir e tampouco restringir os destinatários do art. 980-A do CC quando a lei é (propositalmente) silente.

Os Ministros de Estado integram o Poder Executivo e auxiliam o Presidente da República na direção superior da administração, o que está previsto no art. 84, II da CF e ante os exatos termos do art. 87, parágrafo único, inciso II da CF, compete-lhes expedir instruções de conteúdo procedimento apenas para permitir a execução das leis, decretos e regulamentos, enquanto ao Poder Judiciário compete a aplicação e interpretação. 14

Não poderia o Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio Exterior extrapolar os limites constitucionais de sua competência e restringir a aplicação do art. 980-A do CC por meio da expedição da IN 117/2011, norma destoante da lei sancionada pelo próprio Poder Executivo, a quem competia o DNRC auxiliar.

Usurpou da competência do Poder Judiciário e sob o manto da Instrução Normativa n. 117/2011, interpretou o direito de forma diversa para a qual foi concebido pelos Poderes Legislativo e Executivo, o que também torna manifestamente inconstitucional a instrução normativa.

Desta sorte, forçoso concluir que não há óbice à aplicação do art. 980-A do CC às pessoas jurídicas.

Importante ressaltar sob a perspectiva do Direito do Trabalho e da realidade que, não raro, indivíduos inseridos formalmente no contexto societário para adequação dos requisitos legais das sociedades limitadas, são leigos, hipossuficientes e, por necessidade econômica, se submetem ao contrato social sem conhecer dos riscos que uma sociedade oferece e seus amplos efeitos jurídicos.

Deste modo, a possibilidade da pessoa jurídica constituir EIRELI evitaria a inclusão de sócios por mera formalidade e o Estado protegeria indiretamente o patrimônio desta gama de cidadãos que corriqueiramente responde com seus bens pessoais por débitos trabalhistas contraídos pela sociedade da qual efetivamente não participaram, ante a despersonalização da pessoa jurídica.

É, por fim, lamentável essa pontual desarmonia subsistente no próprio Poder Executivo, cujo Ministério do Estado ultrapassa os limites de sua competência e além de tumultuar, não auxilia a Presidência da República na direção da administração federal, mas atua em posição contrária aos anseios da lei sancionada, postura provocativa de uma enxurrada de ações ajuizadas no Judiciário que poderia ser evitada se fosse analisado o processo legislativo, os fundamentos do instituto e, finalmente, revogada a Instrução Normativa n. 117/2011 do Departamento Nacional de Registro e Comércio – DNRC.

Como advertiu o jurista francês George Ripert "quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o direito".

__________

1 "(...) 1.2.11 IMPEDIMENTO PARA SER TITULAR

Não pode ser titular de EIRELI pessoa jurídica, bem assim a pessoa natural impedida por norma constitucional ou por Lei Especial. (...)

2 "O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 985-A:

"Art. 985-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por um único sócio, pessoa natural, que é o titular da totalidade do capital social e que somente poderá figurar numa única empresa dessa modalidade.

§ 1º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.

§ 2º A firma da empresa individual de responsabilidade limitada deverá ser formada pela inclusão da expressão "EIRL" após a razão social da empresa.

§ 3º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio pessoal do empresário, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue à Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.

§ 4º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada os dispositivos relativos à sociedade limitada, previstos nos arts. 1.052 a 1.087 desta lei, naquilo que couber e não conflitar com a natureza jurídica desta modalidade empresarial. (NR)

Art. 2º Esta lei entra em vigor no prazo de 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial." (g.n.)

3 "O Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada é uma realidade na Europa desde a década de oitenta, conforme a Diretiva 89/667/CEE, que a denomina de sociedade unipessoal.

A regulamentação unionista veio na esteira do que já previam a Alemanha (desde 1980), a França (desde 1985) e Portugal (desde 1986).

A figura também já existe no Chile, no Peru, no Paraguai, em El Salvador e na Costa Rica.

Entendemos que, num momento como o atual, de crise financeira mundial, é preciso dinamizar e flexibilizar a atividade negocial, inclusive como forma de impulsionar a economia brasileira.

Temos a certeza de que o presente projeto logrará grande êxito, a exemplo do que se deu com a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas e com a recente introdução, no ordenamento jurídico brasileiro, do microempreendedor individual (MEI).

Essas são as razões que nos levam a apresentar o presente projeto de lei.

Sala das Sessões, em 31 de março de 2009.

Deputado EDUARDO SCIARRA"

"CAPÍTULO III

4 Dos Empreendimentos Individuais de Responsabilidade Limitada

Seção I

Constituição Art. 980-A. Qualquer pessoa física que atenda ao disposto no art. 972, que exerça ou deseje exercer, profissionalmente, a atividade de empresário, poderá pode constituir Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada (ERLI). (...)" (g.n.)

5 "Art. 1º Esta Lei acrescenta o art. 985-A à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, de modo a instituir a empresa individual de responsabilidade limitada, nas condições que especifica.

Art. 2º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 985-A:

"Art. 985-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por um único sócio, pessoa natural, que é o titular da totalidade do capital social e que somente poderá figurar numa única empresa dessa modalidade.

§ 1º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.

§ 2º A firma da empresa individual de responsabilidade limitada deverá ser formada pela inclusão da expressão "ERLI" após a razão social da empresa.

§ 3º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio pessoal do empresário, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue à Secretaria da Receita Federal do Brasil.

§ 4º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada os dispositivos relativos à sociedade limitada, previstos nos arts. 1.052 a 1.087 desta Lei, naquilo que couber e não conflitar com a natureza jurídica desta modalidade empresarial.

§ 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de natureza científica, literária, jornalística, artística, cultural ou desportiva a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional. (NR)

"Art. 3º Esta Lei entra em vigor no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da data de sua publicação oficial." (g.n.)

6 "Em prol da iniciativa, o autor da medida reproduz o escólio de Guilherme Duque Estrada de Moraes, estudioso da matéria, em artigo divulgado na imprensa em 2003, que focaliza a construção da nova figura jurídica "empresa individual de responsabilidade limitada" ou, simplesmente EIRL, em nosso País e a experiência em diversos países de Primeiro Mundo que a adotaram, nominalmente no direito europeu e, mais recentemente, no Chile.

A mesma fonte relembra anteprojeto próprio, e outras contribuições oferecidas ao Governo desde a década de 90, com o "propósito de permitir que o empresário, individualmente, pudesse explorar atividade econômica sem colocar em risco seus bens pessoais, tornando mais claros os limites da garantia oferecida a terceiros".

Registra, o autor, outrossim, em razão de o modelo entre nós não ter avançado em face de estar a limitação da responsabilidade indissoluvelmente associada ao conceito de sociedade (pressupondo, portanto, a reunião de pelo menos duas pessoas), que:

I - grande parte das sociedades por quotas de responsabilidade limitada são constituídas apenas para o efeito de limitar a responsabilidade do empresário ao valor do capital da empresa, sendo que, na prática, um único sócio detém a quase totalidade das quotas;

II - exige-se, com isso, uma burocracia exacerbada e inútil, além de custos administrativos adicionais, mormente no caso das micro, pequenas e médias empresas, advindo também, amiúde, desnecessárias pendências judiciais, decorrentes de disputas com sócios com participação insignificante no capital da empresa;

III - quando sociedades limitadas passam a ter um único sócio por motivo da morte ou retirada dos demais (situação que o novo Código Civil limita a seis meses), exige-se a admissão de novo sócio ou a dissolução da sociedade ao fim desse prazo, quando seria solução mais consentânea a transformação da pessoa jurídica em uma empresa individual de responsabilidade limitada.

O novo modelo de sociedade empresária proposto, de acordo com o proponente traria, portanto, grandes contribuições para a melhor organização desse importante segmento de negócios, na medida em que, segundo dados do Sebrae, responde por mais de 80% da geração de empregos, devendo incentivar a formalização de milhares de empreendedores, com reflexos na atividade econômica geral e na arrecadação de impostos (...)."

7 "Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País. (...)"

§ 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão "EIRELI" após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada.

§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar numa única empresa dessa modalidade.

§ 3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.

§ 4º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente.

§ 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.

§ 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas. (...)" (g.n.)

8http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_pareceres_substitutivos_votos?idProposicao=422915

9 "Art. 1º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar

acrescida do seguinte art. 985-A:

"Art. 985-A. A sociedade unipessoal será constituída por um único sócio, pessoa singular ou coletiva, que é o titular da totalidade do capital social.

§ 1º A sociedade unipessoal também poderá resultar da concentração das quotas da sociedade num único sócio, independentemente da causa da concentração.

§ 2º A firma da sociedade deverá ser formada pela expressão "Sociedade Unipessoal" ou "Unipessoal" antes da palavra "Limitada" ou da abreviatura "Ltda.".

§ 3º Somente o patrimônio social responderá pelas dívidas da sociedade unipessoal."

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação." (g.n.)

10 "Artí­culo 4º.- Sólo las personas naturales pueden constituir o ser Titulares de Empresas Individuales de Responsabilidad Limitada. Para los efectos de la presente Ley, los bienes comunes de la sociedad conyugal pueden ser aportados a la Empresa considerándose el aporte como hecho por una persona natural, cuya representación la ejerce el cónyuge a quien corresponde la administración de los bienes comunes. Al fenecer la sociedad conyugal la Empresa deberá ser adjudicada a cualquiera de los cónyuges con capacidad civil, o de no ser posible, deberá procederse de acuerdo a los incisos b) y c) del artí­culo 31º. (G.N.)

"Artí­culo 5º.-Cada persona natural podrá ser titular de una o más Empresas Individuales de Responsabilidad Limitada".

11 "CAPÍTULO I Constituição Art. 1º (Disposições preliminares) 1- Qualquer pessoa singular que exerça ou pretenda exercer uma actividade comercial pode constituir para o efeito um estabelecimento individual de responsabilidade limitada. 2 - O interessado afectará ao estabelecimento individual de responsabilidade limitada uma parte do seu património, cujo valor representará o capital inicial do estabelecimento. 3 - Uma pessoa só pode ser titular de um único estabelecimento individual de responsabilidade limitada. (...)"

12 "Considerando que as reformas introduzidas em algumas legislações nacionais, no decurso dos últimos anos, com o objectivo de permitir a existência de sociedades de responsabilidade limitada com um único sócio, deram origem a disparidades entre as legislações dos Estados-membros; Considerando que é conveniente prever a criação de um instrumento jurídico que permita a limitação da responsabilidade do empresário individual, em toda a Comunidade, sem prejuízo das legislações dos Estados-membros que, em casos excepcionais, impõem a responsabilidade desse empresário relativamente às obrigações da empresa; Considerando que uma sociedade de responsabilidade limitada pode ter um único sócio no momento da sua constituição, ou então por força da reunião de todas as partes sociais numa só pessoa; que, enquanto se aguarda a coordenação das disposições nacionais em matéria de direito dos grupos, os Estados-membros podem prever certas disposições especiais, ou sanções, aplicáveis no caso de uma pessoa singular ser o único sócio de diversas sociedades ou quando uma sociedade unipessoal ou qualquer outra pessoa colectiva for o único sócio de uma sociedade; que o único objectivo desta faculdade é atender às particularidades actualmente existentes em determinadas legislações nacionais; que os Estados-membros podem, para esse efeito, e em relação a casos específicos, prever restrições ao acesso à sociedade unipessoal ou a responsabilidade ilimitada do sócio único; que os Estados-membros são livres de estabelecer regras para enfrentar os riscos que a sociedade unipessoal pode apresentar devido à existência de um único sócio, designadamente para garantir a liberação do capital subscrito; Considerando que a reunião de todas as partes sociais numa única pessoa, bem como a identidade do único sócio, devem ser objecto de publicidade de num registo acessível ao público; (...)" g.n.

13 Consiglio Nazionale dei Dottori Commercialisti (IT), Fondazione Aristeia – Institutto di Ricerca dei Dottori Commercialisti, La riforma del diritto societario, Documento Aristeia n. 16.

14 "Art. 84 - Compete privativamente ao Presidente da República:

I - nomear e exonerar os Ministros de Estado;

II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;

(...)"

"Art. 87 - Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.

Parágrafo único - Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:

I - exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República;

II - expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos;

III - apresentar ao Presidente da República relatório anual de sua gestão no Ministério;

IV - praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da República."

___________

* Thaís Prates de Macedo Cruz é advogada do escritório Izique Chebabi Advogados Associados