quinta-feira, 10 de maio de 2012

Sucessora de empresa cindida pode ser incluída em ação indenizatória proposta antes da cisão

DECISÃO
Sucessora de empresa cindida pode ser incluída em ação indenizatória proposta antes da cisão
Empresa que incorpora o patrimônio de sociedade cindida que tinha contra si, no momento da cisão, ação fundamentada em dispositivos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), pode ser incluída no polo passivo da ação, respondendo solidariamente pelas obrigações impostas. Assim entendeu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de recurso especial.

Uma mulher ajuizou ação indenizatória, por acidente automobilístico, contra uma concessionária de transporte público. Enquanto o processo tramitava na primeira instância, a empresa informou ao juízo sobre sua cisão (transferência, total ou parcial, do patrimônio de uma sociedade para outra ou outras sociedades) e requereu a inclusão de outra empresa de transportes no polo passivo da ação. O pedido não foi apreciado pelo juiz.

Inclui ou não?

Em 2003, foi decretada a falência da sociedade cindida e renovado o pedido de inclusão da outra sociedade como responsável solidária na ação indenizatória. O pedido foi deferido.

Ao ser citada, a sociedade sucessora argumentou que não poderia ser incluída no processo, devido à estabilização da relação processual (envolvendo as duas partes e o juiz). O juízo negou o pedido de exclusão da empresa.

Na segunda instância, a empresa foi tirada do polo passivo. Para o tribunal estadual, a inclusão da sucessora na ação, com renovação dos atos judiciais, feriria os princípios de celeridade e economia processuais.

Em seu entendimento, o princípio da estabilização da relação jurídico-processual não permitiria a modificação dos polos do processo após a citação, salvo nas hipóteses previstas em lei.

No recurso especial interposto no STJ, a mulher argumentou que seria aplicável ao caso, por equiparação, o disposto no artigo 28, parágrafo 5º, do CDC, segundo o qual é possível desconsiderar a personalidade jurídica do fornecedor sempre que esta servir de obstáculo para o ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Responsabilidade solidária

A recorrente alega que o artigo 233 da Lei 6.404 (Lei das S/A) dispõe que "na cisão com extinção da companhia cindida, as sociedades que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da companhia extinta". Nas hipóteses em que não houver extinção, "a companhia cindida que subsistir e as que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da primeira".

Reconhece a autora que o parágrafo único do mesmo artigo autoriza que o ato de cisão estipule a ausência de solidariedade na cisão parcial, porém, enfatiza que essa regra é válida somente nas hipóteses nas quais não haja oposição dos credores.

Para a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, "nas hipóteses de créditos reconhecidos posteriormente à cisão, o afastamento da solidariedade seria ineficaz, nos termos do que decidiu o STJ no julgamento do REsp 478.824".

Ela explicou que a substituição das partes, conforme dispõe o artigo 41 do Código de Processo Civil (CPC), é permitida somente nas hipóteses previstas em lei.

Mesma interpretação

Quanto às obrigações relacionadas ao patrimônio transferido, a ministra entendeu que cabe a mesma interpretação dada ao disposto no artigo 42 do CDC, o qual prevê a possibilidade de substituição de partes no processo na hipótese de alienação do objeto litigioso.

"A lei determina que a sentença produz seus efeitos regularmente em face de quem adquire o objeto litigioso, independentemente de sua participação no processo", disse Nancy Andrighi.

Em ambos os casos, "não se pode opor à inclusão da sucessora no polo passivo o princípio da estabilidade da demanda". No entendimento da relatora, a cisão também gera a sucessão das obrigações da empresa, do mesmo modo que tal sucessão ocorre nos casos de alienação do objeto litigioso do processo.

A ministra lembrou que o STJ já decidiu, em diversos julgamentos, que eventual restrição da solidariedade entre a empresa sucessora e a cindida somente é válida contra credores cujo título já estivesse constituído antes do ato da cisão. Os credores com título ainda não reconhecido em juízo não podem apresentar oposição no prazo disposto em lei.

Diante disso, a relatora deu razão à decisão de primeiro grau, que admitiu a inclusão da sucessora. "A análise da responsabilidade da sucessora pelos atos praticados pela companhia cindida é matéria que se confunde com o mérito da ação, momento em que o protocolo da operação será analisado, os bens sucedidos serão individualizados e a responsabilidade pelo acidente definida", concluiu.

A Terceira Turma reconheceu a violação do artigo 233 da Lei das S/A e reformou o acórdão, possibilitando que o juízo de primeiro grau analise o caso de sucessão decorrente da cisão no momento de decidir o mérito da questão.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

O artigo 129 da Lei nº 11.196 (Lei do Bem) e os prestadores de serviço

VALOR – 15.02.06

 

"O artigo 129 da Lei nº 11.196 veio bem a propósito: trata-se de norma interpretativa dirigida eminentemente aos agentes fiscais"

Os contribuintes e a Lei nº 11.196

Por Sacha Calmon

 

A edição do novel artigo 129 da Lei nº 11.196/05, resultante da conversão da MP do Bem, tem suscitado diversas manifestações na imprensa. Duras críticas têm sido tecidas ao mesmo, sustentando-se que o dispositivo estaria a permitir fraudes trabalhistas e tributárias, na medida em que os empregados que prestam serviços de natureza intelectual passariam a ser contratados como pessoas jurídicas, obtendo-se, com isso, uma redução artificial da carga tributária, com prejuízos ao trabalhador que deixaria de receber décimo-terceiro salário e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), dentre outras benesses previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e na própria Constituição de 1988.

Ocorre, contudo, que a referida norma não veio a lume para permitir ou legitimar qualquer tipo de ação contra a legislação fiscal ou trabalhista. Sua única função foi a de esclarecer e orientar os agentes da fiscalização para que, no exercício de seus misteres, não desconsiderem a personalidade jurídica de sociedades legalmente constituídas para prestação de serviços intelectuais, com o fito de tributar os integrantes da sociedade (e os seus contratantes) como se fossem pessoas físicas. Para melhor situar-nos, vale conferir a dicção legal:

"Artigo 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no artigo 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - o Código Civil."

O artigo 50 do Código Civil, ao qual o dispositivo se refere, dispõe que "em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica."

Ou seja: o próprio artigo 129 da Lei nº 11.196/05, ao fazer remissão ao artigo 50 do novo Código Civil, deixa claro que não foi conferido às empresas um passe-livre para a transmutação de relações formais de emprego em contratações de pessoas jurídicas, muitas vezes unipessoais. Se presentes - na relação entre contratante e contratado - os requisitos caracterizadores da relação de emprego (subordinação, pessoalidade, prestação por pessoa física, onerosidade e não-eventualidade), não se poderá falar em trabalho autônomo, desvinculado das regras da CLT, devendo o contratante arcar com as obrigações fiscais e previdenciárias decorrentes da relação de emprego.

Contudo, as empresas legalmente constituídas para a prestação de serviços intelectuais (sociedades de engenheiros, arquitetos, advogados etc) não podem ser descaracterizadas pelos agentes fiscais ao argumento de que o serviço prestado pelos profissionais aos seus contratantes seria regido pelas normas da CLT, com todos os reflexos trabalhistas e tributários daí decorrentes.

A uma, porque a presunção de existência de vínculo empregatício é de competência tão-somente do juiz do trabalho;

a duas, porque a desconsideração de personalidade jurídica somente pode ser levada a cabo pelo Poder Judiciário se presentes os requisitos legais para tanto;

a três, porque a Constituição de 1988 assegura a liberdade de empreender e contratar (artigo 170);

a quatro, porque o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN) - invocado pela fiscalização para tributar as sociedades de prestação de serviços intelectuais como se a renda fosse auferida pelas pessoas físicas que as integram - não permite a desconstrução de situações jurídicas consolidadas, mas apenas, e tão-somente, a desconsideração de atos ou negócios jurídicos simulados (o exercício dessa competência depende ainda de lei ordinária definindo os procedimentos para sua execução).

 

Não cabe à fiscalização pretender tributar as prestadoras de serviços profissionais como se não fossem pessoas jurídicas

 

Como tivemos oportunidade de averbar anteriormente, não existe nenhuma limitação - e nem pode existir - a direitos fundamentais, entre eles, o da livre iniciativa, o da auto-organização e o da liberdade de contratar conforme a lei, sem autorização constitucional. Limites contra o contribuinte nestas bases significam arbítrio, tirania, confusão, insegurança e incerteza, que devem ser veementemente repelidos no Estado democrático de direito.

Nessa toada, o artigo 129 da Lei nº 11.196/05 veio bem a propósito. Trata-se de norma interpretativa dirigida eminentemente aos agentes fiscais, que não devem se olvidar das premissas nele traçadas.

Note-se que, na justificativa de inclusão do artigo em tela na medida provisória que posteriormente foi convertida na Lei nº 11.196/05, o Senado Federal assim fundamentava a proposta:

"os princípios da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa previstos no artigo 170 da Constituição Federal asseguram a todos os cidadãos o poder de empreender e organizar seus próprios negócios. O crescimento da demanda por serviços de natureza intelectual em nossa economia requer a edição de norma interpretativa que norteie a atuação dos agentes da administração pública e as atividades dos prestadores de serviços intelectuais, esclarecendo eventuais controvérsias sobre a matéria".

A norma não consiste, portanto, em autorização ou convite à fraude, muito pelo contrário - se existente qualquer ilícito, este deve ser coibido, pelos meios próprios para tanto (Poder Judiciário e Ministério Público do Trabalho). No entanto, não cabe à fiscalização pretender tributar as sociedades prestadoras de serviços profissionais como se não fossem pessoas jurídicas. Qualquer entendimento diverso - e é justamente por isso que o dispositivo em análise calha à fiveleta - importará em atuação fiscal fora dos limites legais, violando liberdades essenciais garantidas pela Constituição da República.

 

Sacha Calmon é professor titular de direito tributário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutor em direito público, advogado e parecerista.

 

Transformação de associação e cooperativa

Como sair do art. 61?
 
Art. 61. Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único do art. 56, será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes.

§ 1o Por cláusula do estatuto ou, no seu silêncio, por deliberação dos associados, podem estes, antes da destinação do remanescente referida neste artigo, receber em restituição, atualizado o respectivo valor, as contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação.

§ 2o Não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, em que a associação tiver sede, instituição nas condições indicadas neste artigo, o que remanescer do seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União.

Transformação de associação e cooperativa

Por Armando Luiz Rovai
 
As atividades negociais, naturalmente, desenvolvem-se através de constantes transformações impulsionadas pelos movimentos políticos e, principalmente, econômicos. O direito, como ciência (ou tecnologia) dinâmica que é, a reboque, acompanha as consequentes modificações, de modo a proporcionar maior equilíbrio e segurança às relações sociais.

Como expoente desse dinamismo se insere o direito comercial - conhecido por ser um ramo autônomo e, em especial, o mais dinâmico de todos os ramos do direito.

Pois bem, considerando-se esse intrínseco e particular dinamismo, por razões históricas e efetiva determinação legal, de acordo com a Lei nº 8.934, de 1994, e com o Decreto nº 1.800, de 1996, às juntas comerciais cabem os assentamentos de usos e práticas mercantis, justamente para evitar desentendimentos, anacronismos e desarmonias, na análise de situações que deveriam estar sistematizadas no contexto de sua aplicação empresarial e registral.

Infelizmente, não é essa a realidade. Nos deparamos, isso sim, com uma total letargia e desatenção na confecção desses assentamentos - em todo o Brasil (já que cada Estado possui a sua respectiva junta comercial) - e, ainda, com procedimentos registrários eivados de contradições e incertezas que geram insegurança jurídica. É comum, nesse sentido, dar-se entrada em dois expedientes idênticos, obtendo-se o pleno deferimento em um e exigência ou indeferimento noutro.

Há procedimentos de registro eivados de contradições e incertezas

Existem procedimentos que pela dinâmica empresarial já deveriam estar assentados e não estão. Como exemplo, podemos citar instrumentos relativos a transformações societárias, em especial de associações ou sociedades cooperativas que pretendem se transformar em sociedades empresárias, uma vez que regem-se pelas disposições previstas pelo Código Civil e pelas normas do registro de empresa e, em nenhum momento, tais dispositivos deram tratamento distinto às referidas operações societárias. Aliás, quando houve pretensão do legislador em fazer distinções, este as fez criando normas próprias, como no caso das fundações.

Apenas para ressaltar, inspirado em recente e correta decisão da Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), acerca da possibilidade jurídica de transformação de uma associação em sociedade empresária, vale trazer à baila alguns argumentos que podem justificar o que se depreende desse texto, como o fato da Receita Federal do Brasil, desde o ano de 2002, admitir a transformação de instituição de ensino superior que adotar a forma jurídica de associação civil em sociedade civil com fins lucrativos (Consulta nº 7, de 03 de junho 2002 - decisoes.fazenda.gov.br).

No mesmo diapasão, verifica-se que a legislação tributária federal prevê as hipóteses de incorporação, fusão ou cisão das associações (alínea "g" do artigo 12, artigo 15 e parágrafo único do artigo 16 da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997) e a Portaria Conjunta da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da Receita Federal do Brasil nº 1, de 20 de janeiro de 2010 (DOU 22/01/10), ao aprovar novos modelos de certidão negativa de débitos, refere-se expressamente aos casos de "cisão total ou parcial, fusão, incorporação, ou transformação de entidade ou de sociedade empresária ou simples".

Enfim, há de se consignar o precedente no protocolado 656.572/06-1, registrado no Parecer CJ/Jucesp nº 734, de 2006, admitindo a viabilidade jurídica da transformação de associação em cooperativa.

Destarte, impedir a possibilidade de transformação de uma associação ou de sociedade cooperativa em sociedade empresária, sob o argumento de que seria necessária sua anterior extinção, é ilógico e irracional e tem por consequência a morte compulsória da pessoa jurídica. Não se pode interpretar que as associações e as cooperativas, prestigiadas constitucionalmente pela suas respectivas importâncias no contexto social, tenham vedado o acesso ao instituto da transformação, que objetiva, efetivamente, preservar e manifestar concretamente a livre vontade dos associados ou dos cooperados. Em outras palavras, tal situação seria uma dissolução manifestamente contrária aos interesses de seus associados ou cooperados e somente poder-se-ia se dar por decisão judicial com trânsito em julgado.

Diante do todo aqui singelamente exposto, conclui-se como plenamente possível, sob o ponto de vista jurídico, a transformação de uma associação ou sociedade cooperativa em sociedade empresária, devendo o Registro Público de Empresa Mercantis, a cargo das juntas comerciais, aprovar os respectivos atos, desde que sejam atendidos os requisitos formais incidentes na espécie societária, de acordo com a lei e para todos os fins de direito.

Armando Luiz Rovai é professor de direito comercial do Mackenzie e da PUC-SP, ex-presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo e presidente da Comissão de Direito de Empresa da OAB-SP

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Fonte: Valor Econômico