terça-feira, 26 de março de 2013

Alienação de imóvel de empresa cujas cotas garantem execução contra sócios desfalca a garantia

DECISÃO
Alienação de imóvel de empresa cujas cotas garantem execução contra sócios desfalca a garantia
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a ocorrência de fraude à execução na alienação de imóvel de uma empresa cujas cotas foram parcialmente penhoradas para garantir execução contra os sócios. O relator, ministro Sidnei Beneti, entendeu que, como o valor da alienação do bem (50% de propriedade da empresa) foi destinado diretamente aos sócios, o ativo patrimonial da empresa foi desfalcado e o credor acabou desfalcado da garantia da penhora.

"É preciso ver com exatidão a substância da alienação realizada, que foi feita pelos próprios sócios, a quem aproveitou o recebimento do preço", apontou o ministro Beneti. No caso, o valor da venda não ingressou no ativo patrimonial da sociedade e, portanto, nas cotas. O dinheiro da venda do imóvel, comprovadamente, ficou com os sócios, que o receberam por cheque endossado em seu proveito.

Sabendo da venda do imóvel e temendo que os executados frustrassem a garantia (a penhora das cotas), o então credor pediu que se instaurasse incidente de fraude à execução. O juiz de primeiro grau declarou ineficaz a alienação. O comprador do imóvel recorreu e, em segundo grau, foi decidido que não seria possível anular ou declarar ineficaz a alienação do imóvel, porque o prejuízo em tese causado ao credor dos sócios não viria propriamente da venda, mas da destinação dada ao preço.

Valor da cota

No recurso ao STJ, interposto pelo credor, o ministro Beneti afirmou que o argumento do Tribunal de Justiça de São Paulo não torna regular a alienação do imóvel, porque a venda do bem e o recebimento do preço correspondente constituem uma unidade. Como consequência, concluiu o ministro, ficou desfalcado o ativo patrimonial do executado e aviltado o valor das cotas objeto da penhora averbada.

De acordo com o ministro, quando se dá à penhora determinado bem, o credor tem uma garantia. "E é exatamente a frustração dessa garantia que resulta quando se aliena o bem", completou. De acordo com o ministro, "a sociedade foi utilizada como instrumento de disfarce da venda".

No caso, a alienação não atingiu diretamente o bem penhorado. Mas o ministro relator advertiu que a tese da segunda instância relativiza, inclusive, as alienações de bens diretamente atingidos pela penhora, esvaziando-a, "o que se mostra frontalmente contrário ao sistema de garantia patrimonial da execução, via penhora".

Alienação oblíqua

Na avaliação do ministro, a alienação do bem imóvel principal da sociedade caracterizou alienação oblíqua de parte expressiva da cota social, correspondente ao desfalque do valor do bem alienado.

O ministro também analisou que, embora não tenha havido prova concreta de que a alienação do bem importou em diminuição do valor das cotas societárias, essa diminuição é evidente: "Ignorá-la significaria admitir ficção incompatível com a concretude dos fatos trazidos a juízo."

Conforme explicou, nas sociedades por cotas de responsabilidade limitada, como no caso, a cota social nada mais é do que a representação de uma parte do ativo dessa mesma sociedade. Para Beneti, a redução do ativo patrimonial, resultante da alienação de bem imóvel, na sociedade de responsabilidade limitada, implica, necessariamente, a redução do valor da cota social.

segunda-feira, 25 de março de 2013

A Empresa Individual Como Holding

SÁB, 16 DE MARÇO DE 2013 14:56

Já em vigor há mais de um ano, a Lei nº 12.441, de 2011, que introduziu no direito societário pátrio a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli), tem suscitado diversas dúvidas e produzido intenso debate.

Com efeito, a Eireli, cuja fórmula é há muito admitida em outros países, aqui dá apenas seus primeiros passos, ainda limitados pelos grilhões do preconceito (que, por exemplo, levam o Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC) a encontrar na lei suposta vedação a que o titular de Eireli seja pessoa jurídica). 

Entretanto, a Eireli, como introduzida em nosso Código Civil (CC), de 2002, não é de fácil compreensão. Uma das dúvidas que surgem em relação a esta é se seria possível a uma pessoa física titular de Eireli (limitada por lei à manutenção de uma única Eireli) estabelecer com esta, na condição de sócia, uma ou mais sociedades, para melhor organização de suas atividades econômicas.

Numa tentativa de resposta rápida e irrefletida a esse questionamento, se poderia dizer que essa situação levaria à "confusão patrimonial", a qual, por consequência, poderia dar ensejo, nos termos do artigo 50 do Código Civil, à desconsideração da personalidade jurídica da Eireli e a apreensão do patrimônio pessoal de seu titular para a satisfação de suas dívidas. Esse não nos parece, contudo, o melhor entendimento, como se verá a seguir.

Primeiramente, é importante lembrar que pela inscrição dos atos constitutivos na Junta Comercial, a "sociedade" (e, por equiparação expressa - parágrafo 6º do artigo 980-A do CC, a Eireli) "adquire personalidade jurídica", tornando-se, portanto, uma entidade jurídica separada da de seu titular.

De fato, uma vez constituída, a Eireli e seu patrimônio passam a revestir total autonomia em relação ao restante do patrimônio detido por seu titular, sendo esta mesmo a razão de existir do artigo 980-A do Código Civil.

Aliás, de acordo com o Código Civil, mesmo na figura societária mais simples do "empresário" (ao qual não se aplica a limitação de responsabilidade prevista para as Eireli e sociedades limitadas) verifica-se a especialização patrimonial, na medida em que ao empresário casado, "qualquer que seja o regime de bens", é lícito "alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real", independentemente da anuência de seu cônjuge. Ora, se até para o empresário se reconhece a segregação patrimonial, por que não reconhecê-la na Eireli, à qual se aplicam as mesmas regras das sociedades limitadas? E, uma vez reconhecida a segregação patrimonial para a Eireli, não faria sentido alegar a existência de "confusão patrimonial" entre ambos apenas porque tenham se associado em outras sociedades empresárias.

Nada impede uma Eireli de se associar para constituir novas sociedades

Defender o contrário iria contra toda a tradição jurídico-societária brasileira, em que se verifica a prática corrente de sociedades limitadas (ou mesmo sociedades por ações) manterem com um ou mais de seus sócios a titularidade de empresas por elas controladas.

Não bastassem esses argumentos, vê-se ainda que o Código Civil não traz qualquer vedação ou limitação quanto às características pessoais de quem pretenda manter participação em sociedades. Ou seja, adquirindo a Eireli, a partir de sua inscrição em Junta Comercial, personalidade jurídica destacada da de seu titular, tornando-se assim uma "pessoa" independente, nada a impede de se associar, seja com terceiros, seja com seu próprio titular, para constituir novas sociedades e, assim, buscar melhor organização empresarial.

Não se verifica, portanto, qualquer impedimento a que uma Eireli se coloque na posição de holding company, com o objetivo de gerir e buscar o melhor resultado possível de diversos negócios que sejam efetivamente exercidos por diversas sociedades sob seu controle.

Por fim, não obstante a forma indiscriminada como certos setores da administração pública (e alguns poucos rincões de nosso Judiciário) pretendem ver aplicadas as disposições do artigo 50 do Código Civil, para obter a desconsideração de personalidade jurídica, a existência de "abuso da personalidade jurídica, caracterizado (...) pela confusão patrimonial" que a justificaria deve sempre ser provada por quem a alegue, sob pena de se verificar uma desconsideração (essa sim muito mais grave!) do princípio de presunção de inocência que permeia todo nosso arranjo constitucional.

Vale aqui ainda mencionar - como interessante inovação - o regime especial da Sociedade Anônima Simplificada (SAS), criativa e iluminada ideia dos advogados Walfrido Jorge Warde Jr. e Rodrigo Monteiro de Castro que hoje tramita no Congresso Nacional (Projeto de Lei nº 4.303, de 2012) e que se aplicaria às S.A. de pequeno e de médio porte. Para além de facilitar e baratear o manejo dessas sociedades anônimas, o projeto de SAS, se aprovado, de fato proverá regulação inteligente e capaz de resolver diversos problemas na criação de estruturas empresariais complexas.

O direito societário merece melhores regras e sua correta interpretação, para torná-lo menos burocrático e mais moderno, sem prejuízo da segurança jurídica. Oxalá venham melhores dias, com melhores leis.

Emerson Drigo e Armando Luiz Rovai são, respectivamente, mestre em direito pela USP e sócio do escritório Vieira, Drigo e Vasconcellos; e doutor em direito pela PUC-SP, professor de direito comercial do Mackenzie e da PUC-SP, ex-presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo e conselheiro da OAB-SP

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Por Emerson Drigo e Armando Luiz Rovai

Fonte: Valor Econômico