segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Desconsideração - sociedade familiar - STJ - notícia e inteiro teor acórdão

17/09/2013 - 10h03
DECISÃO
Desconsideração da personalidade jurídica atinge sociedade em que mãe e filha dividem cotas
Não é possível afastar a responsabilidade de um dos sócios quando se trata de sociedade familiar, na qual mãe e filha detêm cada uma 50% do capital social votante, se não ficou comprovado na demanda quem atuou como gerente ou administrador da empresa. 

A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar recurso em que uma das sócias, a filha, pedia para não figurar na demanda, com a alegação de que não tinha participado das decisões da empresa. 

No caso, a filha ajuizou exceção de pré-executividade, após ser declarada a desconsideração da pessoa jurídica da empresa para satisfazer um cheque no valor de pouco mais de R$ 2.500. O Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE) considerou que a confusão patrimonial impunha a responsabilização de ambas. 

Recurso no STJ

A filha sustentou em recurso ao STJ que o TJSE atribuiu interpretação extensiva ao artigo 50 do Código Civil de 2002, ao permitir a responsabilização de sócio que não era gerente ou administrador da sociedade. 

A desconsideração da pessoa jurídica ocorre em situação excepcional, sendo necessária a presença do pressuposto específico do abuso da personalidade jurídica, com a finalidade de lesão a direito de terceiro, infração da lei ou descumprimento de contrato. Em resumo, é necessário ter presente a efetiva manipulação da autonomia patrimonial da sociedade em prol de terceiros. 

O objetivo da medida é garantir o pagamento de dívidas da sociedade, mediante a constrição do patrimônio pessoal dos sócios ou administradores. 

No processo analisado pela Terceira Turma, mãe e filha eram as únicas sócias da empresa. 

Necessidade de prova

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, em uma organização empresarial modesta, em que mãe e filha figuram como únicas sócias, a titularidade de cotas e a administração são realidades que frequentemente se confundem, o que dificulta a apuração de responsabilidade por eventuais atos abusivos ou fraudulentos. 

"Em hipóteses como essa, a previsão, no contrato social, de que as atividades de administração serão realizadas apenas por um dos sócios não é suficiente para afastar a responsabilidade dos demais", disse a ministra. "Seria necessária, para afastar a referida responsabilidade, a comprovação de que um dos sócios estava completamente distanciado da administração da sociedade", acrescentou. 

Como no caso analisado pela Turma a discussão sobre a legitimidade começou em exceção de pré-executividade, que não admite dilação probatória, não foi possível produção de prova capaz de demonstrar que a filha não interferiu na administração da sociedade. 

De acordo com a relatora, embora seja possível limitar a responsabilidade de sócio minoritário, afastado das funções de gerência e administração, que comprovadamente não concorreu para o desvio de finalidade ou confusão patrimonial, nesse caso se trata de sociedade modesta, que tem como únicas sócias mãe e filha, detendo, cada uma, 50% das cotas sociais, e, por isso, não é possível afastar a responsabilidade da filha. 




RECURSO ESPECIAL Nº 1.315.110 - SE (2011⁄0274399-2)
 
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MANUELA ARAÚJO MELO
ADVOGADO : PABLO FERNANDES ARAÚJO HARDMAN E OUTRO(S)
RECORRIDO : FERRAGEM NORDESTE - SÉRGIO LUIZ MULLER OTTONI M P P
ADVOGADO : AUREO GALVÃO FILHO
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SOCIEDADE LIMITADA. SÓCIA MAJORITÁRIA QUE, DE ACORDO COM O CONTRATO SOCIAL, NÃO EXERCE PODERES DE GERÊNCIA OU ADMINISTRAÇÃO. RESPONSABILIDADE.
1. Possibilidade de a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade limitada atingir os bens de sócios que não exercem função de gerência ou administração.
2. Em virtude da adoção da Teoria Maior da Desconsideração, é necessário comprovar, para fins de desconsideração da personalidade jurídica, a prática de ato abusivo ou fraudulento por gerente ou administrador.
3. Não é possível, contudo, afastar a responsabilidade de sócia majoritária, mormente se for considerado que se trata de sociedade familiar, com apenas duas sócias.
4. Negado provimento ao recurso especial.
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro João Otávio de Noronha, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. 
 
Brasília (DF), 28 de maio de 2013(Data do Julgamento)
 
 
MINISTRA NANCY ANDRIGHI 
Relatora
 
 
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.315.110 - SE (2011⁄0274399-2)
 
RECORRENTE : MANUELA ARAÚJO MELO
ADVOGADO : PABLO FERNANDES ARAÚJO HARDMAN E OUTRO(S)
RECORRIDO : FERRAGEM NORDESTE - SÉRGIO LUIZ MULLER OTTONI M P P
ADVOGADO : AUREO GALVÃO FILHO
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
 
RELATÓRIO
 
Cuida-se de recurso especial, interposto por MANUELA ARAÚJO MELO, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ⁄SE.
Ação: de execução de título extrajudicial, ajuizada por FERRAGEM NORDESTE – SÉRGIO LUIZ MULLER OTTONI M P P, em face de MENDONÇA ARAÚJO COMÉRCIO LTDA. – ME, consubstanciada em cheque não pago, no valor de R$ 2.639,96 (dois mil, seiscentos e trinta e nove reais e noventa e seis centavos).
Exceção de pré-executividade: após a desconsideração da personalidade jurídica, a recorrente opôs exceção de pré-executividade, na qual sustenta sua ilegitimidade passiva, pois não participou da gerência e administração da empresa. Alega que a desconsideração, portanto, deveria atingir apenas os bens de sua mãe, Newma Maria Araújo Melo, que, conforme comprova o contrato social, é a única sócia-administradora. A recorrente requereu, ainda, a concessão da assistência judiciária gratuita.
Decisão interlocutória: rejeitou a exceção de pré-executividade oferecida pela recorrente, ao fundamento de que a mera alegação no sentido de que a recorrente não exercia a administração da sociedade não é suficiente para afastar sua responsabilidade, mormente se for considerado que a exceção de pré-executividade não admite dilação probatória. Por fim, foi indeferido o pedido de gratuidade de justiça.
Decisão monocrática do Relator: deu parcial provimento ao agravo de instrumento interposto pela recorrente, apenas para deferir o benefício da assistência judiciária gratuita.
Acórdão: negou provimento ao agravo regimental interposto pela recorrente, nos termos da seguinte ementa:
 
Processo Civil - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento - Execução de Título Extraju - Desconsideração da Personalidade Jurídica - Possibilidade - Comprovação quanto ao atendimento dos requisitos exigidos pelo art.50 do Código Civil - Recurso Improvido.
I - O Tribunal Superior tem decidido pela possibilidade da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica nos próprios autos da ação de execução, sendo desnecessária a propositura de ação autônoma;
II - O Ente Jurídico não pode servir de escudo para frustração da satisfação do crédito quando presentes as hipóteses legais, insertas no art. 50 do NCC, que permitem a desconsideração de sua personalidade;
III - Constatando-se, in casu, o uso abusivo da personalidade jurídica, na tentativa de impingir um entrave à satisfação do crédito exequendo, impõe-se a responsabilização dos seus sócios, máxime quando se denota uma desconstituição irregular de seu patrimônio, ao não ser localizada a empresa em situação de atividade, no endereço apontado pela JUCESE;
IV - A partir da desconsideração da personalidade jurídica, a execução segue em direção aos bens dos sócios, tal qual previsto expressamente pela parte final do próprio art. 50, do Código Civil e não há, no referido dispositivo, qualquer restrição acerca da execução, contra os sócios, ser limitada aos gerentes ou administradores, de modo que onde a lei não distingue, não é dado ao intérprete fazê-lo;
V - Agravo regimental improvido. (e-STJ fls. 83⁄84)
 
Recurso especial: alega a violação dos arts. 50, 990, 1.009, 1.016. 1.017 e 1.091 do CC⁄02. Argumenta que o Tribunal de origem conferiu interpretação extensiva ao art. 50 do CC⁄02, ao permitir a responsabilização de sócio que não é gerente ou administrador. Assevera que o sócio que não é gerente não tem poderes para praticar quaisquer atos em nome da empresa e, portanto, não pode ser responsabilizado pelos atos fraudulentos ou abusivos eventualmente praticados pelo sócio-gerente.
Prévio juízo de admissibilidade: após a apresentação de contrarrazões pela recorrida (e-STJ fls. 113⁄119), o recurso especial foi inadmitido na origem (e-STJ fls. 121⁄126). Dei, no entanto, provimento ao agravo (e-STJ fl. 145), para melhor análise da questão, e determinei fosse reautuado como recurso especial.
É o relatório.
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.315.110 - SE (2011⁄0274399-2)
 
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MANUELA ARAÚJO MELO
ADVOGADO : PABLO FERNANDES ARAÚJO HARDMAN E OUTRO(S)
RECORRIDO : FERRAGEM NORDESTE - SÉRGIO LUIZ MULLER OTTONI M P P
ADVOGADO : AUREO GALVÃO FILHO
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
 
VOTO
 
Cinge-se a controvérsia a determinar se a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade limitada pode atingir os bens de todos os sócios, ou deve ser restringida aos bens dos sócios gerentes ou administradores.
 
I. Da fundamentação deficiente e da ausência de prequestionamento.
Inicialmente, deve ser ressaltado que a recorrente não demonstrou, de forma específica e consistente, porque os arts. 990, 1.009, 1.016. 1.017 e 1.091 do CC⁄02 teriam sido violados, o que atrai a incidência do óbice da Súmula 284⁄STF.
Ademais, o acórdão recorrido não decidiu acerca dos referidos dispositivos indicados como violados pela recorrente. Por isso, o julgamento do recurso especial, no particular, é inadmissível. Aplica-se, neste caso, a Súmula 282⁄STF.
A controvérsia limita-se, então, à alegada violação do art. 50 do CC⁄02.
 
II. Do abuso de personalidade exigido para a desconsideração da personalidade jurídica.
Na hipótese em análise, não se discute a viabilidade da desconsideração da personalidade jurídica de sociedade limitada, mas apenas o alcance da referida desconsideração.
Contudo, é necessário, em um primeiro momento, discorrer sobre o instituto da desconsideração, a fim de entender os contornos que o legislador pretendeu dar ao referido instituto.
A desconsideração da personalidade jurídica pode ser entendida como a superação temporária da autonomia patrimonial da pessoa jurídica com o intuito de, mediante a constrição do patrimônio de seus sócios ou administradores, alcançar o adimplemento de dívidas assumidas pela sociedade.
Assim, para a desconsideração da personalidade jurídica não basta a existência de um dano provocado pela sociedade ou pelo sócio ou de uma dívida por qualquer deles assumida. A pessoa jurídica tem existência própria, distinta das pessoas físicas que a compõem, e tem, imanente, o princípio da autonomia patrimonial, de sorte a, via de regra, não permitir a confusão entre seus bens e aqueles de seus sócios.
A excepcional penetração no âmago da pessoa jurídica, com o levantamento do manto que protege essa independência patrimonial, exige a presença do pressuposto específico do abuso da personalidade jurídica, com a finalidade de lesão a direito de terceiro, infração da lei ou descumprimento de contrato. Em outras palavras, há de se ter presente a efetiva manipulação da autonomia patrimonial da sociedade em prol de terceiros.
No campo doutrinário e acadêmico, várias teorias foram desenvolvidas com a finalidade de estabelecer os requisitos que devem ser preenchidos para que seja deferida a desconsideração da personalidade jurídica.
De acordo com a Teoria Menor da Desconsideração, que tem aplicação restrita a situações excepcionais em que se mostra necessário proteger bens jurídicos de patente relevo social e inequívoco interesse público, a incidência da desconsideração se justificaria pela simples comprovação da insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. A referida teoria foi acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental. Confira-se, à guisa de exemplo, os seguintes precedentes: REsp 279.273, 3ª Turma, de minha relatoria para Acórdão, DJ de 29.03.2004, REsp 1.096.604⁄DF, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 16.10.2012 e REsp 1.169.175⁄DF, DJe de 04.04.2011.
Na legislação pátria, todavia, adotou-se, como regra geral, a Teoria Maior da Desconsideração, segundo a qual a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações não constitui motivo suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica. Exige-se, portanto, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade, ou a demonstração de confusão patrimonial.
Assim, em virtude da adoção da Teoria Maior da Desconsideração, é necessária a comprovação do desvio de finalidade ou a demonstração de confusão patrimonial. É, necessário, portanto, comprovar que alguém – via de regra, um gerente ou administrador, praticou ato reconhecido como fraudulento ou abusivo.
 
III. Da responsabilidade do sócio que não exerce poderes de gerência ou administração.
Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem entendeu que:
 
(...) constatando-se o uso abusivo da personalidade jurídica, na tentativa de impingir um entrave à satisfação do crédito exequendo, é que se impôs a responsabilização dos seus sócios, máxime quando se denota uma desconstituição irregular de seu patrimônio, ao não ser localizada a empresa em situação de atividade, no endereço apontado pela JUCESE. Estes fatos causam, como consequência, uma confusão patrimonial, pois inexistente, no campo dos fatos, a separação patrimonial do patrimônio da pessoa jurídica ou de seus sócios, apta a ensejar, portanto, a aplicação da disregard doctrine, in casu. (e-STJ fl. 91)
 
O TJ⁄SE, portanto, concluiu pela existência de abuso da personalidade jurídica em razão da confusão patrimonial.
A recorrente sustenta que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi desenvolvida com o objetivo de coibir o uso abusivo da pessoa jurídica pelo sócio. Não se mostraria coerente com a referida teoria, portanto, permitir que os sócios que não podem realizar qualquer ato de administração e, consequentemente, não podem praticar abuso de poder, sejam alcançados pela desconsideração da personalidade jurídica.
De fato, em que pese não existir qualquer restrição no art. 50 do CC⁄02, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica apenas deve incidir sobre os bens dos administradores ou sócios que efetivamente contribuíram na prática do abuso ou fraude na utilização da pessoa jurídica, devendo ser afastada a responsabilidade dos sócios minoritários que não influenciaram na prática do ato.
No julgamento do REsp 786.345⁄SP (3ª Turma, Rel. para o acórdão Min. Ari Pargendler, DJe de 26.11.2008), esta Turma entendeu que a despersonalização de sociedade por ações e de sociedade por quotas de responsabilidade limitada só atinge, respectivamente, os administradores e os sócios-gerentes, não quem tem apenas o status de acionista ou sócio. Naqueles autos, houve a desconsideração da personalidade jurídica de empresa falida e de mais seis empresas pertencentes ao mesmo grupo empresarial, e a extensão a todos os quotistas e acionistas dos efeitos da falência.  Entendeu-se, por maioria, que a sócia quotista de sociedade anônima não poderia ser alcançada pela desconsideração da personalidade jurídica. Em voto-vista, fundamentei que:
 
Do ponto de vista do direito material, contudo, a responsabilidade pessoal da recorrente não pode avançar para dívidas de sociedades em que não figurou como administradora em face da ausência de proteção ao abuso ou excesso de poder.
Com efeito, nos termos dos arts. 9º e 16 do Dec. 3.708⁄19, em caso de falência de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, seus sócios respondem apenas até o limite da respectiva participação no capital social, salvo se deliberarem em desconformidade com o contrato social ou a lei. De acordo com o art. 10 do referido Decreto, somente ficam sujeitos à responsabilidade ilimitada os administradores da sociedade, ainda assim em caráter excepcional, quando houver excesso de mandato ou violação do contrato social ou da lei.
 
A hipótese dos autos, contudo, é diversa daquela. No presente processo, a recorrente, juntamente com sua mãe, são as únicas sócias da sociedade limitada e cada uma detém 50% das quotas sociais. A recorrente não é, por conseguinte, sócia minoritária.
Ademais, no seio de uma organização empresarial mais modesta, mormente quando se trata de sociedade entre mãe e filha, a titularidade de quotas e a administração são realidades que frequentemente se confundem. Nesse passo, as deliberações sociais, na maior parte das vezes, se dão no dia-a-dia, sob a forma de decisões gerenciais. Logo, é muito difícil apurar a responsabilidade por eventuais atos abusivos ou fraudulentos.
Em hipóteses como essa, a previsão, no contrato social, de que as atividades de administração serão realizadas apenas por um dos sócios não é suficiente para afastar a responsabilidade dos demais. Seria necessário, para afastar a referida responsabilidade, a comprovação de que um dos sócios estava completamente distanciado da administração da sociedade.
Nesse ponto, deve ser ressaltado que, na hipótese sob julgamento, a discussão iniciou-se em exceção de pré-executividade, que não admite dilação probatória. Assim, nem ao menos poderia ser produzida prova capaz de demonstrar que a recorrente não interferiu na administração da sociedade.
Por conseguinte, a adoção da Teoria Maior da Desconsideração pressupõe a responsabilidade de algum sócio pela prática de ato fraudulento ou abusivo. Por isso, é possível limitar a responsabilidade de sócio minoritário, afastado das funções de gerência e administração, que comprovadamente não concorreu para o desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Não se pode, contudo, afastar a responsabilidade do sócio sem examinar a natureza jurídica específica da sociedade por quotas de responsabilidade limitada que se encontra em litígio.
Na hipótese dos autos, tendo em vista que se trata de sociedade modesta, que tem como únicas sócias mãe e filha, e considerando que a recorrente detém 50% das quotas sociais, não é possível afastar sua responsabilidade e o art. 50 do CC⁄02 não foi violado.
Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
 
 
 
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2011⁄0274399-2
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.315.110 ⁄ SE
 
Números Origem:  200611500101  2011206212  2011208613  6822011
 
 
PAUTA: 14⁄05⁄2013 JULGADO: 14⁄05⁄2013
   
Relatora
Exma. Sra. Ministra  NANCY ANDRIGHI
 
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
 
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO DE PAULA CARDOSO
 
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
 
AUTUAÇÃO
 
RECORRENTE : MANUELA ARAÚJO MELO
ADVOGADO : PABLO FERNANDES ARAÚJO HARDMAN E OUTRO(S)
RECORRIDO : FERRAGEM NORDESTE - SÉRGIO LUIZ MULLER OTTONI M P P
ADVOGADO : AUREO GALVÃO FILHO
 
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Empresas - Sociedade - Desconsideração da Personalidade Jurídica
 
CERTIDÃO
 
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
 
Após o voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi,  negando provimento ao recurso especial,  pediu vista o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.  Aguardam os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva.
 
 
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.315.110 - SE (2011⁄0274399-2)
 
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MANUELA ARAÚJO MELO
ADVOGADO : PABLO FERNANDES ARAÚJO HARDMAN E OUTRO(S)
RECORRIDO : FERRAGEM NORDESTE - SÉRGIO LUIZ MULLER OTTONI M P P
ADVOGADO : AUREO GALVÃO FILHO
 
VOTO-VISTA

 
O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

A questão em debate no presente recurso diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica de sociedade limitada cujas únicas sócias são mãe e filha e em que cada uma delas detém o percentual de 50% do capital social.

A relatora, Ministra Nancy Andrighi, entendeu que, para efeito de responsabilização por atos de desvio na condução da sociedade,  a mera previsão contratual de que as atividades de administração eram exercidas por um dos sócios é insuficiente para afastar a responsabilidade dos demais, até porque, em sociedades tais como a que se apresenta, as atividades gerenciais se confundem no dia a dia, visto que as decisões geralmente são tomadas em consenso. Difícil, portanto, apurar a responsabilidade por eventuais atos abusivos praticados por um ou outro sócio, ressalvadas as hipóteses em que qualquer deles esteja afastado das atividades da sociedade, o que não se verifica no caso.

Pedi vista dos autos para proceder a exame mais acurado da matéria; contudo, constato que a questão foi abordada de modo irretocável pela relatora ao afastar a apontada violação do art. 50 do CC⁄02. Nada tenho, portanto, a acrescentar.

Diante disso, acompanho a Ministra Relatora para negar provimento ao recurso especial.

É como voto.

 
 
 
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2011⁄0274399-2
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.315.110 ⁄ SE
 
Números Origem:  200611500101  2011206212  2011208613  6822011
 
 
PAUTA: 14⁄05⁄2013 JULGADO: 28⁄05⁄2013
   
Relatora
Exma. Sra. Ministra  NANCY ANDRIGHI
 
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
 
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKS
 
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
 
AUTUAÇÃO
 
RECORRENTE : MANUELA ARAÚJO MELO
ADVOGADO : PABLO FERNANDES ARAÚJO HARDMAN E OUTRO(S)
RECORRIDO : FERRAGEM NORDESTE - SÉRGIO LUIZ MULLER OTTONI M P P
ADVOGADO : AUREO GALVÃO FILHO
 
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Empresas - Sociedade - Desconsideração da Personalidade Jurídica
 
CERTIDÃO
 
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
 
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro João Otávio de Noronha, a Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Documento: 1234128 Inteiro Teor do Acórdão - DJe: 07/06/2013

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

PRAZO PRESCRICIONAL PARA A COBRANÇA DE DEBÊNTURES.


DIREITO EMPRESARIAL. PRAZO PRESCRICIONAL PARA A COBRANÇA DE DEBÊNTURES.

Prescreve em cinco anos a pretensão de cobrança de valores relativos a debêntures. Isso porque, nessa hipótese, deve ser aplicada a regra prevista no art. art. 206, § 5º, I, do CC, que estabelece em cinco anos o prazo de prescrição "de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular". Ressalte-se que não cabe na hipótese, por ampliação ou analogia, sem qualquer previsão legal, aplicar às debêntures o prazo prescricional relativo às notas promissórias e às letras de câmbio, bem como o prazo prescricional para haver o pagamento de título de crédito propriamente dito. Com efeito, deve-se considerar que a interpretação das normas sobre prescrição e decadência não pode ser realizada de forma extensiva. Precedentes citados: AgRg no AREsp 94.684-DF, Primeira Turma, DJe 25/5/2012; e AgRg no REsp 1.149.542-PR, Segunda Turma, DJe 21/5/2010. REsp 1.316.256-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/6/2013.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

TOZZINI - Notícia sobre balanço fiscal

Em 17 de setembro, foi publicada a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil ("RFB") nº 1.397/2013 ("IN 1397"), que trata do Regime Tributário de Transição ("RTT") previsto pela Lei nº 11.941/2009, cujo objetivo é neutralizar os efeitos fiscais das novas práticas contábeis estabelecidas pela Lei nº 11.638/07, que introduziu as normas contábeis internacionais (IFRS) no Brasil.

A principal medida da IN 1397 foi criar a obrigação de as empresas preparem balanços de acordo com as regras contábeis em vigor até 31 de dezembro de 2007, escriturando esse "Balanço Fiscal" no Livro de Apuração do Lucro Real ("LALUR"). Por consequência, o lucro apurado conforme essas regras criam um novo conceito de lucro, o "Lucro Fiscal".

Dessa maneira, aumentará  o número já exorbitante de obrigações acessórias a serem cumpridas pela empresas, que ficarão obrigadas a observar o seguinte:

•             Obrigatoriedade da manutenção de escrituração contábil conforme os critérios vigentes até 31/12/2007, antes da edição da Lei nº 11.638/07; e

•             Substituição do Controle Fiscal Contábil de Transição ("FCONT") pela Escrituração Contábil Fiscal ("ECF") a partir de 2014, a qual deverá ser transmitido anualmente no ambiente do Sistema Público de Escrituração Digital ("SPED").

Portanto, as empresas estão obrigadas a manter dois balanços - o balanço contábil propriamente dito, e o balanço para fins fiscais (Balanço Fiscal). Quando a Lei nº 11.638/07 foi editada, havia a possibilidade de o contribuinte ter dois balanços, o que foi revogado pela Lei nº 11.941, que criou o RTT. Ou seja, a obrigação que havia na lei e foi revogada volta agora por meio da IN 1397.

São várias as consequências da criação do Balanço Fiscal e do Lucro Fiscal. A principal delas foi a alteração da base para cálculo de juros sobre o capital próprio, para equivalência patrimonial e para distribuição de dividendos.

No caso dos dividendos, a IN 1397 estabelece que a isenção de imposto de renda sobre distribuições de lucros e dividendos se aplica tão-somente ao montante de "Lucro Fiscal" e não ao lucro contábil. Como descrito na IN 1397, essa regra é reflexo do entendimento exarado no Parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional nº 202/2013.

Por conta disso, se o chamado lucro contábil (apurado dentro das novas normas de contabilidade estabelecidas pela Lei nº 11.941/2009) for maior que o Lucro Fiscal, a distribuição dessa diferença será considerada como "outros rendimentos" e sujeita à tributação, o que implica IRPJ e CSLL para acionistas/cotistas pessoas jurídicas,  tabela progressiva para pessoas físicas e 15% ou 25% (paraísos fiscais) no caso de não-residentes.

No entanto, a legislação - em especial o artigo 10 da Lei nº 9.249/1995 - não restringe a isenção ao lucro que tenha sido efetivamente tributado, mas sim aos "lucros e dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado". Assim, a IN 1397 não poderia criar restrições à aplicação da lei, já que a sua função seria meramente interpretar, esclarecer e viabilizar a aplicação da lei.

Segundo notícias circuladas, a RFB entende que a IN 1397 é uma norma interpretativa e, portanto, pode retroagir e alcançar períodos anteriores. Se esse for o entendimento da RFB, haverá um grande número de autuações com base nessa norma, todas com questionável base legal e com muito bons argumentos de defesa para os contribuintes.

Além de trazer inovações sem previsão legal, a IN 1397 também falha ao não esclarecer totalmente o alcance do recém-criado "Lucro Fiscal", o que contribui ainda mais para a já instalada insegurança jurídica no Brasil e consequentes efeitos nos investimentos e economia.

CRI

Um teste para o mercado de CRI: o caso Banco Rural

Marcelo Cosac

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  • segunda-feira, 23/9/2013

O processo de liquidação do Banco Rural trouxe novas e recorrentes questões para a indústria de FIDC - Fundos de Investimento em Direitos Creditórios. Mas quem poderia dizer que tal evento também poderia constituir um importante estudo de caso para o mercado de CRI - Certificados de Recebíveis Imobiliários, principalmente pelo caráter pedagógico da enumeração de diversos fatores, que em conjunto, podem colocar o título em situação de risco.

A operação de CRI em questão foi realizada pela Companhia Província de Securitização de Créditos Imobiliários (Província) em 22/12/09, tendo sido emitidas duas séries deste título, uma de classe sênior, denominada pela securitizadora de Preferencial, e outra de classe júnior, denominada Subordinada. A série sênior teve valor nominal na emissão de R$ 35,0 mi, é corrigida monetariamente pelo IPCA, vence em 22/12/19 e paga juros anuais remuneratórios de 8,0% a.a.. A série júnior, ou subordinada, somava R$ 7,0 mi na emissão, também é corrigida monetariamente pelo IPCA, vence em 22/12/23 e paga juros de 9,17% a.a.. O pagamento da série sênior é feito anualmente, utilizando o sistema de amortizações constantes. Já os títulos subordinados têm carência de 10 anos. A operação foi a única realizada por esta securitizadora e tem como agente fiduciário a Pentágono DTVM. Atuaram também na operação a Integral Investimentos, como estruturador, e o escritório Felsberg e Associados, como assessor jurídico. A LF Rating classificou os títulos sênior da operação.

Os CRI têm como lastro uma CCI - Cédula de Crédito Imobiliário representativa, de forma parcial, de um contrato de locação típico celebrado entre o Banco Rural, locatário, e o Fundo de Investimento Imobiliário INCA II (INCA II), locador e emissor da CCI. Sob administração da SOCOPA e gestão da Integral Investimentos, o fundo foi criado especialmente para essa operação, adquirindo os imóveis do próprio Banco Rural com o compromisso de locar para este, o que se constitui uma operação comumente denominada pelo mercado como sale and leaseback.

Os imóveis de propriedade do INCA II são compostos por três lojas, nove pavimentos de salas e 139 vagas de garagem do Edifício Tavex, localizado em Belo Horizonte, Minas Gerais. O restante do prédio é de propriedade de terceiros, que não participam da operação. Contudo, o relatório do laudo de avaliação constante no prospecto da operação, produzido pela Technobanc, informa que o valor total de avaliação, de R$ 53,47 mi, é referente a quatro lojas, nove pavimentos de salas e 154 vagas de garagem. O relatório de classificação de risco publicado pela LF Rating, por sua vez, difere deste último ao apontar como 155 o número de vagas de propriedade do Banco Rural e suas coligadas.

O Contrato de Locação é regido pela lei 8.245/91 (lei de locações), tem prazo de 14 anos e estabelece o aluguel anual a ser pago até o fim da primeira quinzena dos meses de dezembro no valor de R$ 5.433.120,00, o qual é reajustado anualmente pelo IPCA. De acordo com os termos do contrato, o locatário está autorizado a sublocar os imóveis, parcial ou totalmente, para qualquer empresa integrante do Grupo Rural, sem prejuízo das obrigações do locatário. O contrato também deixa claro que em caso de rescisão do contrato a multa a ser paga é correspondente ao valor necessário para liquidar integral e antecipadamente a emissão do CRI.

A CCI emitida pelo fundo imobiliário é representativa parcialmente do contrato de aluguel supracitado. Os créditos imobiliários representados por esse ativo equivalem a 96,42% dos direitos de crédito oriundos do contrato, totalizando, na época da emissão da CCI, um valor nominal de R$ 73,3 milhões. A cédula tem vencimento final em 13 de dezembro de 2023.

Não há nenhuma garantia vinculada aos direitos creditórios escriturados na CCI. As multas e encargos moratórios em caso de rescisão são aquelas contidas no contrato de locação: juros moratórios à base de 1,0% ao mês e multa moratória correspondente de 2,0%, incidente sobre o total do débito apurado durante o período de atraso.

A CCI foi cedida à securitizadora por R$ 41,7 mi. O contrato de cessão estabelece que nos casos de inadimplemento ou eventos de vencimento antecipado fica facultada à cessionária devolver a CCI à cedente, ficando esta obrigada a pagar à cessionária o valor de liquidação do CRI. Entre os Eventos de Vencimento arrolados no contrato de cessão estão: (i) o não cumprimento, no vencimento, das obrigações das partes da operação e (ii) a liquidação extrajudicial dos garantidores do CRI, do alienante fiduciante e/ou do fiador, como definidos abaixo.

Como garantia ao CRI, além do Regime Fiduciário, foi constituída a alienação fiduciária das cotas do INCA II, detidas pelo único cotista do fundo imobiliário, o Sr. Ellos José Nolli. A garantia poderá ser executada na hipótese de inadimplemento da boa e fiel liquidação dos CRI ou na ocorrência de um evento de vencimento antecipado. Ademais, o produto da venda deverá ser aplicado na amortização ou liquidação das obrigações garantidas. Caso os recursos não sejam suficientes para quitar as obrigações, o cotista do fundo imobiliário continuará responsável pelo valor remanescente da dívida. Já se a garantia for executada, ainda sem o vencimento das obrigações garantidas, e for excluída a hipótese de declaração de vencimento antecipado, o alienante fiduciante deverá promover o reforço das garantias.

Uma fiança foi dada pela empresa Trapézio - holding financeira da qual pertence o Rural - ao emissor dos títulos, a Província, com o objetivo de garantir o cumprimento das obrigações da securitizadora. Com a constituição desta garantia a Trapézio se compromete a pagar até o valor de R$ 73,0 mi, limitado ao prazo de resgate do CRI, tão logo seja informada sobre a inadimplência da obrigação.

Figura 1 – Reprodução da Estrutura da Operação

Dentre os fatores de risco apontados no Termo de Securitização está a possibilidade de insuficiência da alienação fiduciária das cotas, na qual o produto da venda não possibilitaria a satisfação das obrigações, restando à emissora obter recursos com a execução da fiança. Outro risco apontado diz respeito àquele inerente ao contrato de locação, a rescisão unilateral, ainda que mediante o pagamento da multa contratual estabelecida. Porém, a própria redação do risco informa que a multa pode ser reduzida com base em decisão judicial.

Uma primeira análise dos termos da operação poderá indicar que os CRI, que obtiveram classificação de risco AA pela LF Rating (reafirmada em outubro de 2012) contam com lastro e reforços de créditos suficientes para alocar a operação dentro da grade de baixo risco. Porém, a decretação da liquidação extrajudicial do locatário no começo de agosto coloca a operação em uma situação de estresse trazendo à tona algumas questões relevantes para o mercado. Algumas delas têm respostas conhecidas, pelo menos parcialmente, enquanto outras serão escritas nos próximos meses. A Uqbar levanta neste artigo algumas dessas questões e tenta analisar a situação a partir das informações disponíveis.

O que poderá ser feito pelos participantes da operação de imediato?

Tendo em vista que o Rural é a instituição custodiante do lastro do CRI, uma assembleia geral extraordinária para deliberar sobre a contratação de um novo custodiante deverá ser realizada. Até a data de publicação deste artigo, a Uqbar não teve conhecimento sobre a convocação de uma AGE.

Os CRI poderão ser amortizados antecipadamente ou resgatados?

O Termo de Securitização da operação estabelece que, mediante acordo com investidores, a Província poderá promover a amortização extraordinária e/ou resgate antecipado dos títulos. Eventos de vencimento antecipado são definidos como aqueles baseados na hipótese de inadimplemento pelo cedente da CCI (INCA II), pelo locatário (Rural) ou pela fiadora (Trapézio), e decididos como tal por uma assembleia de Investidores. Ora, a liquidação extrajudicial do Rural produziu de imediato o vencimento antecipado de todas as suas obrigações. Como será improvável que qualquer pagamento seja autorizado pelo liquidante do Rural, na existência de interesse por parte dos investidores, muito provavelmente seria possível decidir pela liquidação antecipada dos títulos.

A situação, no entanto, levanta outras questões.

Qual o valor da dívida do liquidando neste contrato?

Como se trata de uma locação típica, o valor devido pelo Rural deverá ficar limitado, por força da lei de locações (art. 4º) e do CC (art. 413), ao valor da multa. Ainda que no Termo de Securitização seja definida, como de comum acordo entre as partes, a multa no valor suficiente para liquidar a operação, é improvável que o liquidante do Banco Rural aceite tal termos. A lei de locações estabelece que, na devolução do imóvel antes do fim do prazo da locação, o locatário estará sujeito ao pagamento de uma multa que deverá ser proporcional ao prazo de cumprimento do contrato. A própria seção Fator de Risco do Termo de Securitização informa que, conforme mencionado acima, a multa pode ser reduzida com base em decisão judicial. Com efeito, o liquidante do Banco Rural poderá questionar suas dívidas na Justiça, tornando incerta sua remissão.

Qual é exatamente o valor atual dos ativos que lastreiam os CRI?

De acordo com informações obtidas no prospecto da emissão, em setembro de 2013, somente de principal dos CRI sênior, o valor nominal vincendo era de R$ 27,1 mi. Seu próximo pagamento de juros e principal, cuja frequência é anual, está programado para 22/12/13. Com a liquidação do locatário, suas obrigações foram automaticamente declaradas vencidas, inclusive o contrato de aluguel. Como a Lei de Locações estabelece que o valor da multa deve ser apenas proporcional ao prazo de cumprimento do contrato, e não o necessário para liquidar a operação, e como a construção jurisprudencial limita esta multa ao valor de três aluguéis, o que no caso seria de aproximadamente R$ 16,2 mi, o liquidante poderá arguir por um valor de multa abaixo deste teto de R$ 16,2 mi, reduzindo substancialmente o valor do ativo do Patrimônio Separado em relação ao valor vincendo dos CRI em setembro de 2013. Como o valor das obrigações garantidas sofreu uma redução, sem ainda serem declaradas inadimplidas, as garantias, tais como a alienação de cotas, se executadas, somente cobrirão o valor atual do ativo, que é inferior àquele planejado, restando uma diferença em relação aos títulos sênior e subordinados a serem liquidados.

Qual o valor da Fiança dada à Securitizadora?

O instrumento da fiança da operação estipula um limite ao cumprimento das obrigações afiançadas, quando assim for demandada, que é de R$ 73,0 mi. Contudo, segundo o instrumento de fiança, ela não foi garantida ao CRI, mas à securitizadora, no cumprimento de suas obrigações decorrentes da emissão. Com a instituição de Regime Fiduciário, quem responde pelo pagamento do CRI é o respectivo Patrimônio Separado, logo, a securitizadora não tem obrigação de prover recursos próprios para a liquidação do CRI, exceto se tiver agido em violação à lei, ao seu estatuto ou de forma negligente ou temerária na administração do Patrimônio Separado, ou com desvio do Patrimônio Separado, nos termos da lei 9.514/97. Consequentemente, se a operação não dispõe de recursos para o pagamento dos títulos, que seguem apenas a sorte do lastro da operação, uma tentativa de execução judicial da fiança para cobrir a obrigação de pagar o saldo total dos CRI, que seriam equivalentes aos alugueis até o prazo final do Contrato de Locação, poderá fracassar.

Como se pode observar, existem questões ainda sem respostas conclusivas. A Uqbar acompanhará de perto o desenlace desta operação que certamente trará importantes aprendizados para todos os participantes do mercado de securitização nacional.

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*Marcelo Cosac é advogado, sócio do escritório Tauil & Chequer Advogados.

domingo, 15 de setembro de 2013

Fwd: Ford Pinto - função social da empresa - utilitarismo - fight club


O perigo do utilitarismo bem retratado no filme Fight Club:

Narrator: A new car built by my company leaves somewhere traveling at 60 mph. The rear differential locks up. The car crashes and burns with everyone trapped inside. Now, should we initiate a recall? Take the number of vehicles in the field, A, multiply by the probable rate of failure, B, multiply by the average out-of-court settlement, C. A times B times C equals X. If X is less than the cost of a recall, we don't do one.

Business woman on plane: Are there a lot of these kinds of accidents?

Narrator: You wouldn't believe.
Business woman on plane: Which car company do you work for?

Narrator: A major one.

* * * 

Me fez lembrar do caso Ford Pinto (http://tinyurl.com/CasoFordPinto):

"The cases involving the explosion of Ford Pinto's due to a defective fuel system design led to the debate of many issues, most centering around the use by Ford of a cost-benefit analysis and the ethics surrounding its decision not to upgrade the fuel system based on this analysis."

#funçãosocialdaempresa


Ford Pinto - função social da empresa - utilitarismo - fight club

http://www.tortdeform.com/archives/2006/10/the_formula_1.html