TJRN. Art. 50 do CC/2002. Desvio de finalidade. Interpretação
Data: 22/02/2013Sobre abuso da personalidade jurídica, destacado na norma jurídica invocada, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam: Desvio de finalidade. A identificação do desvio de finalidade nas atividades da pessoa jurídica deve partir da constatação da efetiva desenvoltura com que a pessoa jurídica produz a circulação de serviços ou de mercadorias por atividade lícita, cumprindo ou não do seu papel social, nos termos dos traços de sua personalidade jurídica. Se a pessoa jurídica se põe a praticar atos ilícitos ou incompatíveis com sua atividade favorece o enriquecimento de seus sócios e sua derrocada administrativa e econômica, dá-se ocasião de o sistema de direito desconsiderar sua personalidade e alcançar o patrimônio das pessoas que se ocultam por detrás de sua existência jurídica. (Código Civil Comentado, p. 208-209).
Íntegra do acórdão:
Acórdão: Agravo de Instrumento n. 2006.005102-9, da comarca de Mossoró.
Relator: Des. Kennedi de Oliveira Braga.
Data da decisão: 20.11.2006.
Origem: 3ª Vara Cível da Comarca de Mossoró/RN.
Agravante: Sollon Adolpho Alcântara de Lima e Moura.
Advogado: Dr. Daniel Victor da Silva Ferreira (4417/RN) e outros.
Agravado: Comercial Rebouças Ltda (mercantil Rebouças).
Advogado: Dr. Wilson Flávio Queiroz de Lima (3502/RN).
Relator: Dr. Kennedi de Oliveira Braga (Juiz convocado).
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FORÇADA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ABUSO DA PERSONALIDADE. DESVIO DE FINALIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. IMPRESCINDIBILIDADE DA MEDIDA. CONJUNTO PROBATÓRIO INÁBIL A CONFERIR ENTENDIMENTO DIVERSO DO PROFERIDO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima identificadas:
Acordam os Desembargadores da Primeira Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer do recurso para negar provimento ao Agravo de Instrumento, mantendo a decisão de primeiro grau por seus próprios fundamentos.
RELATÓRIO
Trata-se de Agravo de Instrumento com pedido de suspensividade interposto por Sollon Adolpho Alcântara de Lima de Moura em face de decisão proferida pelo Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Mossoró, que, nos autos da Ação de Execução Forçada, registrada sob o nº 106.01.000036-9, deferiu o pedido formulado pelo exequente para desconsiderar a personalidade jurídica da empresa executada, onde são sócios os agravantes, a fim de que recaia sobre estes a responsabilidade patrimonial pelo adimplemento da respectiva execução, alçada inicialmente no valor de R$ 5.633,33 (cinco mil, seiscentos e trinta e três reais e trinta e três centavos).
Os recorrentes alegam que a decisão guerreada merece reforma, haja vista não estar demonstrado, de modo inconteste, a imprescindibilidade da respectiva desconsideração da personalidade jurídica.
Asseveram a existência do periculum in mora na iminente possibilidade dos efeitos da execução recair sobre seu patrimônio particular, sem que, contudo, esteja pautado em razões plausíveis.
Requereu, liminarmente, que fosse atribuído efeito suspensivo ao agravo de instrumento, e, mérito, o provimento do recurso, com a conseqüente reforma da decisão guerreada.
Colacionou aos autos os documentos às fls. 28-301.
Em decisão, prolatada às fls. 303-305, o pedido de suspensividade foi indeferido por ausência de requisito autorizador, a saber: o fumus boni iuris.
O juízo originário prestou informações às fls. 310-311, cientificando acerca da manutenção da decisão guerreada.
Regularmente intimado, o agravado deixou de oferecer contra-razões, conforme certidão de fls. 313.
Instado a se pronunciar, o Ministério Público, através da 21ª Procuradoria de Justiça, deixou de opinar no feito sob a égide de que inexiste interesse público que justifique tal intervenção.
É o breve relato.
VOTO
Constatados os requisitos de admissibilidade genéricos e específicos exigidos pela lei processual civil, conheço do presente recurso.
Quanto ao mérito, percebe-se que este corresponde em verificar se a desconsideração da personalidade jurídica foi deferida de forma devida.
Conforme relatado, o agravante sustenta sua pretensão na égide de que o juízo originário não pautou a decisão atacada em razões plausíveis, não erigindo, para o caso, a imprescindibilidade de tal medida.
Todavia, compulsando os autos, depreende-se que tal asserção não merece prosperar.
Com efeito, o patrimônio titulado pela pessoa jurídica deve responder pelas suas obrigações sociais, chamando-se à responsabilidade, os sócios, apenas em hipóteses excepcionais, onde sua autonomia em relação as pessoas dos sócios se relativiza.
Noutros termos, não se confunde a pessoa jurídica com a dos sócios e, em regra, o patrimônio destes não responde por dívidas daquela.
Entrementes, tal regra não é absoluta.
É por demais consabido que pode ocorrer a constrição do patrimônio dos sócios nas hipóteses da incidência da chamada disregard douctrine ou instituto da desconsideração da personalidade jurídica, sendo a doutrina e jurisprudência pacíficas em reconhecer a possibilidade do patrimônio do sócio responder pela dívida da sociedade em hipóteses especiais e bem caracterizadas.
Disciplinando a matéria, consagrando a exceção enfatizada no parágrafo anterior, o Código Civil admite, em seu art. 50, que:
Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Sobre abuso da personalidade jurídica, destacado na norma jurídica invocada, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam:
Desvio de finalidade. A identificação do desvio de finalidade nas atividades da pessoa jurídica deve partir da constataão da efetiva desenvoltura com que a pessoa jurídica produz a circulação de serviços ou de mercadorias por atividade lícita, cumprindo ou não do seu papel social, nos termos dos traços de sua personalidade jurídica. Se a pessoa jurídica se põe a praticar atos ilícitos ou incompatíveis com sua atividade favorece o enriquecimento de seus sócios e sua derrocada administrativa e econômica, dá-se ocasião de o sistema de direito desconsiderar sua personalidade e alcançar o patrimônio das pessoas que se ocultam por detrás de sua existência jurídica. (Código Civil Comentado, p. 208-209).
Nesta égide de raciocínio, dessume-se que cumpre, pois, estabelecer se, no caso concreto, pode ou não ser reconhecida circunstância ou mais de uma que permitam a incidência da teoria da desconstituição da personalidade jurídica, que é justamente a exceção que possibilita a quebra da regra, não absoluta, da personalidade jurídica da empresa e não envolvimento do patrimônio de sócio.
Assim, volvendo-se ao caso dos autos, percebe-se robustos os argumentos que serviram de supedâneo a decisão guerreada, erigindo fatos que autorizam a aplicação do instituto em tela.
Com efeito, destacou o juízo originário, in litteris:
Compulsando os autos, constata-se a configuração do abuso da personalidade jurídica, haja vista a caracterização do desvio de finalidade, porquanto esta tem sido utilizada para ocultar o patrimônio dos sócios. Ora, desde 2003 encontra-se inativa a empresa (fls. 98-198), não foi localizado qualquer bem em nome desta, apesar das várias tentativas, além da existência de execução fiscal, qu autoriza o Magistrado a presumir o inadimplemento da executada perante a Fazenda Municipal (152-155).
Ainda:
(...) o capital social é de R$ 1.000,00 (hum mil reais) apenas, sendo distribuídos na proporção de 99% (noventa e nove por cento) das quotas sociais para um dos sócios SOLLON ADOLPHO ALCÂNTARA DE LIMA DE MOURA, e 1% (um por cento) para outro, ALDEMIR FERREIRA DE LIMA, ou seja, insuficiente para suprir até mesmo a dívida apresentada nos presentes autos.
Denota-se, portanto, do exame da decisão em comento, em confronto com os demais documentos que compõe o presente instrumento, plausíveis as razões que motivaram o decisum atacado, tendo, pois, o juiz prolator averiguado a imprescindibilidade da medida deferida.
Ou seja, denota-se que os substratos fático-jurídicos, confrontados ao conjunto probatório que o instruem, são hábeis em legitimar a decisão proferida pelo juízo originário, que observou estritamente o ordenamento jurídico pátrio, não carecendo, pois, tal decisum de qualquer reforma.
Ademais, neste sentido, há precedente nesta Corte:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITOS CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL - PRELIMINARES SUSCITADAS PELO AGRAVANTE E AGRAVADO QUANTO À NULIDADE DA DECISÃO A QUO E LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DO RECORRENTE, RESPECTIVAMENTE - REJEIÇÃO DE AMBAS - MÉRITO: DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU QUE ACATOU PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM DESFAVOR DO EXECUTADO/AGRAVANTE, DETERMINANDO, EM CONSEQÜÊNCIA, A PENHORA SOBRE A COTA-PARTE DE HERANÇA A QUE O SEU SÓCIO-GERENTE HAVIA RENUNCIADO ANTERIORMENTE À REFERIDA ORDEM JUDICIAL - PERTINÊNCIA DO DECISUM QUANTO À DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA POR SE ENQUADRAR A SITUAÇÃO FÁTICA AOS TERMOS DO ART. 50/CCIVIL - FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO CONFIGURADA - RENÚNCIA A DIREITO DE HERANÇA QUE SE DEU QUANDO O SÓCIO MAJORITÁRIO AINDA NÃO ERA PARTE PROCESSUAL - IMPOSSIBILIDADE DOS EFEITOS DA DESCONSIDERAÇÃO RECAIR SOBRE COTA-PARTE DA HERANÇA - CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL DO AGRAVO. (Agravo de Instrumento nº 2004.003419-9, 1ª Câmara Cível, TJRN, Relator Des. Cristóvam Praxedes, p. 11.07.2006) – Destaque acrescido.
Desta feita, observando a devida motivação do convencimento do magistrado a quo, resta inferir pela irrazoabilidade da pretensão deduzida pelo agravante.
Portanto, conclui-se que, in casu, a medida deferida pelo juízo originário é adequada, não trazendo o agravante qualquer fato que desconstitua o entendimento ali esposado.
Nesta conjuntura, resta, pois, insubsistente a tentativa de ver afastada a medida deferida em primeira instância, em face da ausência da plausibilidade do direito invocado pela parte agravante.
Ante o exposto, conheço do presente Agravo de Instrumento para, no mérito, negar-lhe provimento, mantendo inalterada a decisão a quo.
É como voto.
Natal, 20 de novembro de 2006.
Des. MANOEL DOS SANTOS
Presidente em exercício
Dr. KENNEDI DE OLIVEIRA BRAGA
Relator - Juiz Convocado
Dr. PAULO ROBERTO DANTAS DE SOUZA LEÃO
13º Procurador de Justiça
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