quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

As novas hipóteses de recesso - Eizirik (Recesso via Resgate)

Artigo

As novas hipóteses de recesso

Por Nelson Eizirik*

http://www.bmfbovespa.com.br/juridico/noticias-e-entrevistas/Noticias/As-novas-hipoteses-de-recesso.asp

24|11|2011

Prevalece na doutrina o entendimento de que somente podem ensejar o direito de retirada, com o reembolso do valor das ações, as hipóteses expressamente previstas na Lei das S.A. Trata-se de um "mito" que não encontra qualquer amparo na lei societária. Na realidade, o que é vedado é a exclusão do direito de recesso por dispositivo estatutário ou por deliberação da assembleia geral, por tratar-se de um direito essencial do acionista (artigo 109, inciso V).

Nada impede, a nosso ver, que o estatuto crie novas hipóteses de recesso para determinada classe de ações. Particularmente no caso de companhias fechadas, ou das abertas cujas ações não sejam dotadas de liquidez e dispersão, pode constituir um atrativo adicional para a subscrição de ações a possibilidade de o acionista desfazer-se do investimento realizado mediante o exercício do direito de recesso, tal como no Direito Italiano. Com efeito, o direito de recesso tem conteúdo puramente patrimonial. Não há qualquer razão para se negar validade à disposição estatutária que permita o "desinvestimento", em certas hipóteses, mediante o reembolso do valor das ações.

No caso, deve o estatuto regular convenientemente as hipóteses de recesso adicionais àquelas previstas na Lei das S.A. O recesso estatutário constitui modalidade de resgate de ações (artigo 30, § 1°, alínea "a") e serve como incentivo à aquisição de uma classe de ações. Assim, as ações são emitidas como ações resgatáveis a critério do acionista e vinculadas à ocorrência de uma das causas ensejadoras do recesso, nos termos do estatuto. Deve também o estatuto regular o valor do reembolso e a forma de exercer o direito de recesso, aplicando-se as normas legais no seu silêncio.

O resgate consiste na operação pela qual a companhia paga ao acionista o valor de suas ações, retirando-as definitivamente de circulação. Assim, constitui modo de extinção da ação. Trata-se de modalidade de negócio jurídico unilateral, ou seja, aquele que contém manifestação de vontade de apenas uma parte e cujas consequências jurídicas são sofridas pela outra parte, independentemente de sua vontade. Em função de sua causa, e do ponto de vista da companhia, podem ser identificadas 2 (duas) modalidades de resgate: (i) voluntário; e (ii) compulsório.

O resgate voluntário ocorre por decisão da assembleia geral extraordinária da companhia ou por determinação estatutária que autorize a sociedade a promovê-lo a qualquer tempo. Trata-se de prerrogativa da companhia, que pode, observado o disposto no § 6° do artigo 44 ou no estatuto social, conforme o caso, determinar o momento e as condições do resgate. Se a companhia se reserva o direito de resgatar as ações nas condições fixadas no estatuto, poderá exercê-lo mediante deliberação da assembleia, observadas as referidas condições, e o acionista titular dessas ações não poderá se opor à deliberação. Ou seja, o resgate é voluntário para a companhia, mas obrigatório para o acionista.

O resgate compulsório (sempre do ponto de vista da companhia) é aquele previsto desde a emissão da ação, que por esta razão é conhecida como "ação resgatável". No caso, a companhia obriga-se a resgatar uma determinada classe de ações, nas condições estabelecidas no estatuto. O resgate estipulado no estatuto ao tempo da criação da ação integra o conjunto de seus direitos e obrigações. Nessa hipótese, o resgate deixa de ser uma faculdade da companhia para se tornar uma obrigação perante o acionista titular da ação resgatável que exerce a opção de resgatá-la na forma prevista no estatuto. Nesse caso, é compulsório para a companhia, mas facultativo para o acionista .

É recomendável que o valor do resgate seja estabelecido no estatuto social, tendo em vista que a Lei das S.A. regulou o valor do reembolso de ações, mas foi omissa sobre o valor do resgate. Apesar da omissão do texto legal, a companhia deve observar determinados parâmetros mínimos na definição do valor de resgate. Nesse sentido, por analogia ao artigo 170, § 1°, esse valor não pode ser inferior ao resultante da aplicação, isolada ou cumulativamente, dos 3 (três) parâmetros que devem ser utilizados para a fixação do preço de emissão em aumento de capital: (i) valor de patrimônio líquido da ação; (ii) cotação em Bolsa de Valores ou mercado de balcão organizado; ou (iii) valor de suas perspectivas de rentabilidade. O preço de resgate também pode corresponder ao valor real da ação, apurado de acordo com a sua cotação no mercado secundário ou, ainda, com base em avaliação a preços de mercado do patrimônio da companhia.

Podem ser exemplos de causas para o recesso estatutário: (i) a sua outorga para os acionistas da companhia incorporadora, corrigindo o "cochilo" do legislador ; (ii) a não abertura de capital no prazo previsto no estatuto social; (iii) a prorrogação do prazo de duração da sociedade; e (iv) a introdução no estatuto de restrições à livre negociação das ações.

Visando a conferir eficácia à disposição estatutária criadora de modalidades de recesso, sua alteração ou supressão demanda quorum qualificado e também enseja o direito de retirada.

Por outro lado, não cabe a criação de novas modalidades de recesso em acordo de acionistas, pois trata-se de pacto parassocial, cujos termos não vinculam a companhia .

Recesso Decorrente de Fato

É possível, ainda, que o recesso decorra de um "fato" e não necessariamente de uma deliberação assemblear, estando ou não previsto na Lei das S.A., como, ocorre, por exemplo, nas hipóteses de:

(i) prorrogação tácita do prazo de duração da sociedade; ou seja, no caso de uma companhia constituída por prazo determinado em que os administradores, após o término de sua vigência, continuam a desenvolver as suas atividades. Esse fato não está regulado pela Lei das S.A., mas, tendo em vista o princípio constitucional da liberdade individual, segundo o qual "ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado", o acionista tem o direito de se retirar da companhia; associar-se ou permanecer associado, ou não, é direito individual e indeclinável de cada cidadão;

(ii) não abertura de capital de companhia aberta envolvida em processo de fusão, incorporação ou cisão (artigo 223, § 4°). Nos termos do § 3° do artigo 223, se a operação de incorporação, fusão ou cisão envolver companhia aberta, a sociedade sucessora também será aberta, devendo obter o respectivo registro ou, se for o caso, promover a negociação de novas ações no mercado secundário. A norma visa a assegurar aos acionistas minoritários de companhia aberta que, por força da operação de incorporação, fusão ou cisão, passam a ser sócios de companhia fechada, a manutenção de condições de liquidez dos títulos recebidos semelhantes às dos anteriores. Nos termos do § 4° do artigo 223, o descumprimento do disposto no seu § 3° confere ao acionista o direito de retirar-se da companhia, mediante o reembolso do valor de suas ações. O direito de recesso, no caso, não decorre da operação de fusão, cisão ou incorporação, mas do fato de a companhia sucessora não se registrar como companhia aberta junto à Comissão de Valores Mobiliários, no prazo de 120 (cento e vinte) dias contados da data da assembleia que aprovou a operação. Ou seja, o fato gerador do direito de recesso é a não aquisição, por parte da companhia sucessora, do status de companhia aberta no prazo legal;

(iii) alteração essencial, de fato, do objeto social. Em alguns casos, a companhia passa a praticar atividades inteiramente novas, não previstas em seu objeto social, independentemente de reforma estatutária, o que pode implicar alteração do risco empresarial assumido pelo acionista. Tendo em vista que a Lei das S.A., no caput deste artigo c/c o inciso VI do artigo 136, confere ao acionista a faculdade de retirar-se da companhia na hipótese de dissentir de deliberação que aprove a mudança de seu objeto social, pela mesma razão, tem ele esse direito caso essa mudança decorra de "fato", e não de uma deliberação assemblear . O prazo para o exercício do direito de recesso deve ser contado a partir do conhecimento "do fato" pelo acionista ou da prática de atos que denotam publicamente a mudança, de fato, do objeto; e

(iv) aquisição por desapropriação, pela pessoa jurídica de direito público, do controle de companhia em funcionamento, caso em que os acionistas têm direito de pedir, dentro de 60 (sessenta) dias da publicação da primeira ata da assembleia geral realizada após a aquisição do controle, o reembolso de suas ações (artigo 236, parágrafo único).

* Sócio de Carvalhosa e Eizirik Advogados. O texto faz parte do livro "A Lei das S/A Comentada" a ser lançado em três volumes (Editora Quartier Latin)

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